segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Grande Equívoco do Dr. Drauzio Varella

     Foi com perplexidade que li a última coluna do Dr. Drauzio Varella intitulada “Os Limites do SUS”. Os argumentos apresentados para que o Sistema Único de Saúde se restrinja a população mais pobre não passam de mera especulação sobre a realidade.

     Lendo sua coluna, o Dr. Drauzio parece estar propondo como sistema ideal de saúde o que já acontece no sistema público de educação fundamental no Brasil. Todos sabem que o sistema público de educação fundamental no Brasil não funciona, é sucateado, é mal administrado e com resultados pífios exatamente pela segregação existente entre um sistema para pobres e outro para ricos. Os mais ricos (incluindo a “pobre” classe média) acabam pagando por serviços educacionais e criando pequenas ilhas privadas de eficácia dentro de um universo de ineficiências públicas. O resultado não é ruim somente por questões de aproveitamento, mas pela segregação social gerada.

     A saúde pública é universal não porque o conceito é bonito, mas porque a universalização traz benefícios econômicos e sociais para o país. Mesmo levando em consideração o exemplo do fazendeiro que foi buscar um serviço público de qualidade no Hospital das Clínicas, fica evidente que se o tal fazendeiro conseguiu receber um tratamento de qualidade, os benefícios econômicos que serão gerados para a sociedade (com sua produção agrícola e seu trabalho) são significativos e muito maiores do que os custos efetivos do seu tratamento. Modelos econométricos seriam capazes de facilmente demonstrar este resultado para a sociedade.

     Mesmo não concordando também que o programa de planejamento familiar do Brasil “não saiu do papel”, sendo evidente a redução da taxa de fertilidade em todas as classes sociais nos últimos trinta anos (e de forma significativa entre mulheres com menor renda e escolaridade), a falta de acesso a métodos anticoncepcionais está mais relacionada a problemas de gestão do sistema governamental de saúde do que falta de recurso. Problemas com cronograma de compras, burocracias excessivas, falta de servidores, etc. comprometem o fluxo de oferta dos métodos anticoncepcionais nas unidades administradas pelo governo. No entanto, políticas públicas de barateamento e melhoria dos métodos anticoncepcionais, como no caso dos preservativos, vêm propiciando cada vez mais acesso nas redes privadas.

     Ou seja, o Sistema Único de Saúde, como o próprio nome diz, está presente também na estrutura de oferta de serviços e produtos gerenciada pela iniciativa privada. Isto ocorre tanto no monitoramento da qualidade e concorrência quanto na criação de condições que ampliem o acesso da população aos serviços da rede privada (ex. genéricos). Sendo assim, se os mais pobres estão se beneficiando diretamente do fortalecimento das políticas públicas de saúde dentro do sistema privado, por que os mais ricos (e a “pobre” classe média) não podem também usufruir de serviços e produtos oferecidos pelo governo?

     As contribuições do Dr. Drauzio para a saúde dos brasileiros são incontestáveis. Na verdade, de tudo que li sobre suas reflexões em relação à saúde pública, raramente tenho qualquer discordância. Mas, seria importante esclarecer que o Sistema Único de Saúde não é apenas uma estrutura governamental de fornecimento de serviços e produtos de saúde, mas uma estrutura muita mais ampla que oferece oportunidades de participação ativa da sociedade e do setor privado para assegurar cobertura, qualidade, e o que é mais importante, direitos fundamentais a todos os cidadãos. 

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