segunda-feira, 18 de abril de 2016

Análise exploratória vs. Análise explanatória: Impactos para a sexualidade do brasileiro

     A revolução digital trouxe, nos últimos anos, conquistas para a humanidade em todas as áreas do desenvolvimento. Na área social, não foi diferente. Cálculos estatísticos de grande complexidade que levariam meses para ser realizados, hoje, podem ser rapidamente executados com o aperto de apenas um botão. Esses cálculos contribuem para a definição de associações existentes entre problemas sociais (como uso de drogas, práticas de violência, não uso de preservativo, hábito do fumo, etc.) e determinantes econômicas, sociais e/ou comportamentais (como a pobreza, normas culturais e dificuldades de relacionamentos).

     Antes da revolução tecnológica, as pesquisas sociais focavam análises exploratórias dos dados. Ou seja, a definição de perfis de comportamento e dos próprios problemas sociais. Por exemplo, se constatamos que 14% de uma população de jovens já experimentou o uso de drogas ilícitas em algum momento de sua vida, qual a contribuição desse indicador para uma nova intervenção social? Logicamente, esse indicador apresenta um perfil de comportamento. Isso é importante para entendermos a magnitude do problema, mas não apresenta quais as determinantes que influenciariam para uma variação significativa desse número para mais ou menos. Será que jovens que conversam mais com seus pais e/ou são do sexo feminino são menos vulneráveis a esse consumo?

     Essas são hipóteses importantes que precisam ser testadas para que um problema social seja atacado corretamente. Isso reduz os custos de novas intervenções sociais, dando mais foco e adaptando a linguagem. Se mesmo no caso de vacinas, toda a população não precisa ser vacinada para um país atingir um nível de 100% de cobertura, em função do conceito de “proteção herdada”, não é de surpreender que outras questões sociais precisariam apenas focar em menos de 10% de uma população.

     No entanto, onde estão essas vulnerabilidades? Como identificá-las? Será que há apenas uma determinante fundamental para que um problema social se estabeleça? Por exemplo, será que todo o problema de violência urbana pode ser atribuído a falta de educação da população, como ouvimos rotineiramente nas vozes de políticos e leigos?

     A ciência social evoluiu bastante nos últimos anos para responder a essas importantes perguntas. Na grande maioria dos casos, não há como se estabelecer uma causa única para os problemas sociais. As pesquisas “causais” são geralmente realizadas em laboratórios e estão diretamente ligadas a disfunções físicas e mentais que causam determinadas doenças e/ou mortes. Ou seja, a pesquisa “causal” é a busca pelo estabelecimento de um fator que explica 100% de um fenômeno social.

     Sendo assim, mesmo levando em consideração que não podemos estabelecer uma única causa para um problema social, um novo campo se abre de investigação com a possibilidade do desenvolvimento de pesquisas de cunho explanatório. Ou seja, pesquisas que consigam atribuir objetivamente a associação entre determinantes sociais, econômicas e comportamentais e os problemas objeto de investigação. Nesse caso, há de se vestir as “sandálias da humildade” e compreender que sempre haverá fatores que vão além de um modelo estatístico estabelecido.

     Na literatura internacional, alguns modelos considerados robustos e de grande significância estatística apenas conseguem estabelecer níveis explicativos de variação de um problema social até no máximo 10%. Logicamente, o ideal é sempre tentar incorporar variáveis que aumentem esse valor, mas já devemos considerar que um nível de explicação de 100% é simplesmente uma utopia.

     Para exemplificar com um caso recente de como se deve ter cuidado para não confundir análises de cunho exploratório e análise de cunho explanatório, um estudo recente realizado pela Durex Network sobre a sexualidade do brasileiro foi bastante esclarecedor. Em um primeiro momento, foi perguntado aos brasileiros quais seriam suas principais fontes de educação sexual. Como demonstrado na pesquisa mundial da Durex Network sobre sexualidade, no ranking de principais fontes, amigos/colegas “venceram” facilmente as outras fontes de educação com mais de 75% das indicações. Foi interessante observar também que os pais e responsáveis ficaram em 7º. Lugar com apenas 33% das referências.
  
     Em base a esse resultado de cunho exploratório, o que fazer? Logicamente, muitos especialistas em marketing social diriam que o foco de novas atividades educativas deveriam ser com os próprios amigos e colegas, enfatizando talvez iniciativas como a de “multiplicadores do conhecimento”.

     No entanto, a pesquisa da Durex Network (www.durexnetwork.org) foi além! Em base a uma análise explanatória, buscou-se identificar quais dessas fontes teria realmente impacto sobre o nível de confiança dos brasileiros em relação a sua sexualidade. Pois, não se pode afirmar que por alguém ser mais exposto a uma fonte de educação, tornar-se-á mais confiante. Talvez essa fonte não seja a mais eficaz..

     Para surpresa dos pesquisadores, apenas uma fonte se mostrou significativamente mais eficaz do que todas as outras em relação a maior confiança sobre a sexualidade dos brasileiros: os pais ou responsáveis. Ou seja, com os amigos/colegas realmente se conversa muito sobre sexo, mas não há qualquer impacto objetivo sobre níveis de confiança. Do outro lado, com pais e responsáveis não se conversa muito, é fato, mas essa fonte é a principal determinante para explicar níveis de variação positiva na sexualidade do brasileiro.

     Nem tudo é aquilo que se vê. Um profissional de marketing social deve sempre ter um perfil investigativo e validar os indicadores de pesquisa com senso crítico. Pois, o objetivo é sempre impactar positivamente a vida das pessoas e da comunidade. Ou seja, da próxima vez que tomar conhecimento sobre o lançamento de uma nova pesquisa, nunca aceite seu resultado sem se perguntar... Quais são as variáveis que realmente têm impacto para a melhoria da qualidade de vida da sociedade?

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Somos uma economia de mercado privado, mas não público

                Somente no último ano, consegui ganhar três causas na justiça de pequenas causas contra empresas privadas no Brasil. Após diversas tentativas de tentar conseguir solucionar meus problemas com estas empresas, não tive outra escolha e busquei meus direitos na justiça. Foram processos contra problemas com serviços prestados, multas abusivas e problemas trabalhistas de uma empresa. Ou seja, tenho segurança jurídica na hora de contratar e buscar meus direitos como consumidor no mercado privado.

                No entanto, na minha comunidade, as cinco reclamações que fiz em relação aos serviços prestados por órgãos públicos nem se quer foram analisadas. Estou apenas esperando o resultado para entrar na justiça. Além disso, me informaram que nestes casos terei que entrar em uma instância específica em relação aos serviços prestados pelo mercado público. Membros da minha família também já entraram na justiça contra o INSS para reparar buracos no cálculo de aposentadoria, mas nem se quer houve uma manifestação de sentença até o momento. Ou seja, não tenho qualquer segurança jurídica na hora de solicitar e buscar meus direitos como cidadão no mercado público.

                Esta dicotomia que vivemos no país está cada vez mais evidente. Não considero que nossas diferenças sejam fundamentalmente entre classes sociais no Brasil, mas na capacidade de utilizar ou não o mercado privado. O mercado privado deveria funcionar apenas para o consumo mais supérfluo, mas hoje o utilizamos prioritariamente para compensar as lacunas inadmissíveis dos serviços prestados pelo mercado público. Acaba se tornando o único recurso, pois temos certeza da dificuldade de garantir esses direitos no âmbito do judiciário.

                 O mercado público também tenta impor a população o conceito de “desacato a autoridade”, mesmo para seus serviços prestados. Ou seja, o que era para ser um prestador de serviço, se coloca na posição de “autoridade” (aquele com direito de fazer obedecer). Em alguns órgãos públicos a lei de “desacato a autoridade” está estampada claramente para inibir qualquer cidadão de reclamar seus direitos.

                Não consigo ver um país desenvolvido apenas pelo viés do mercado privado. Fico feliz em ver que conquistas foram atingidas para dar dignidade ao consumidor e segurança legal para o atendimento de seus desejos. Porém, estou convencido que ainda estamos muito longe de um mercado público que ofereça dignidade ao cidadão e segurança legal para o atendimento de suas necessidades.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

As dimensões da avaliação de impacto social

            Há um parâmetro estabelecido entre os especialistas que o orçamento para o item de avaliação deveria corresponder entre 7 e 14% do total de um programa ou investimento social. O volume estaria vinculado proporcionalmente a ganhos de escala de avaliação entre programas com menos e mais recursos. Os programas com mais recursos acabariam diminuindo os custos proporcionais com avaliação, pois instrumentos idênticos de avaliação seriam utilizados em diversas unidades de centro de custo; enquanto, para programas com menos recursos, o esforço seria o mesmo para a concepção de marco lógico e ferramentas de pesquisa avaliativa, mas com aplicabilidade mais restrita a apenas algumas unidades de centro de custo.

            Essa relação pode ser melhor demonstrada na tabela abaixo:

TABELA 1

Programa
Valor total de orçamento
Unidades de Centro de Custo
Proporção do Investimento em Avaliação por Unidade
Proporção de Avaliação do Total do Orçamento
Programa A
R$100.000,00
2
R$7.000,00
14%
Programa B
R$500.000,00
10
R$5.000,00
10%
Programa C
R$1.000.000,00
20
R$3.500,00
07%

No entanto, verificar-se que esse é um item negligenciado na maioria dos programas sociais. Ou seja, recebe basicamente 0% do valor do programa, independentemente do seu valor global. Nesse patamar, logicamente, não há nem o que discutir. O programa caracteriza-se apenas por desembolsos financeiros, sem nenhum compromisso com sustentabilidade, impacto ou verificação de retornos sócio-econômicos.

A própria revista The Economist em sua edição de abril de 2008 (encarte especial) indica que o futuro desafio da responsabilidade social corporativa será a demonstração efetiva dos retornos alcançados por essas ações. Além disso, organizações nacionais começam a demonstrar que é possível avaliar os resultados financeiros, econômicos e sociais desses investimentos.

Em relação aos resultados financeiros, buscam identificar os níveis de custo-eficácia das intervenções. Quantitativamente, demonstram que o mais “barato” pode ter um custo maior no final do dia. Por exemplo, um programa que tem um custo de R$100.00, mas com uma eficácia de apenas 40% do que se propôs inicialmente a fazer; na realidade, apresenta um custo-eficácia de R$250,00; ou seja, o valor do custo (R$100.00) sobre o valor da eficácia (0.4). No entanto, outro programa com um custo bem mais elevado de R$150,00, mas com uma eficácia de 90%, resultará em um custo-eficácia de R$166,67. Ou seja, um valor de custo eficácia significativamente menor do que o primeiro programa.

Para os resultados econômicos, atribuem valores aos benefícios atingidos pelos programas em valores monetários. Sendo assim, qual é o benefício econômico garantindo-se a não repetência de um aluno na escola pública. Esse valor pode ser facilmente relacionado a produtividade verificada no mercado, conforme a tabela abaixo:

TABELA 2

Segmento
Remuneração Mensal
Aumento de Produtividade Potencial Futura
5 anos de escolaridade
R$420,00
N/A
6 anos de escolaridade
R$520,00
24%
7 anos de escolaridade
R$620,00
19%

Sendo assim, o ganho mensal de R$100,00 de 5 para 6 anos de escolaridade podem ser computados como benefício econômico e confrontados com os custos econômicos do programa. Chegando ao ponto de demonstrar que para cada R$1.00, o investimento trouxe retornos econômicos de, por exemplo, R$10.00, R$15.00 e assim sucessivamente.

Finalmente, os resultados sociais estão relacionados aos ganhos de equidade com o programa social. Grupos menos privilegiados que conseguem efetivamente ter acesso a bens públicos e sociais, incluindo conhecimentos, atitudes e práticas, contribuirão para uma sociedade menos injusta, com redução de preconceitos, violência e intolerâncias. Isso também pode ser demonstrado quantitativamente, com índices de concentração e diferenças sociais (ex. Índice de Desenvolvimento Humano).

Todo esse raciocínio é apenas para demonstrar que é possível avaliar os programas sociais dentro de uma lógica de investimentos. No entanto, nada será demonstrado se ferramentas de avaliação não forem utilizadas corretamente ou recursos para avaliação forem tratados como um “luxo desnecessário”. 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Quero falar sobre política, futebol e religião

            No Brasil, todos já conhecem a famosa frase: “sobre política, futebol e religião não se discute.” Nunca entendi, ao certo, a razão dessa afirmação que, para muitos, representa uma verdade incontestável. Lógico que não sou nenhum ingênuo e já presenciei fervorosas brigas de bar, entre membros familiares e colegas de trabalho quando se invoca um desses três assuntos. Isso principalmente quando os interlocutores apresentam pontos de vista diferentes.  No entanto, fico me perguntando será que não tem outro jeito?

            Sempre falamos que no marketing social um dos principais recursos a ser gerado para garantir a eficácia das intervenções é o capital social, representado pelas inter-relações pessoais que contribuem para adoção dos produtos sociais. Muitos confundem essa definição de capital social com interlocuções informais em nosso dia-a-dia. Um amigo meu que está terminando o seu doutorado na universidade de Harvard nos Estados Unidos e fez alguns estudos sobre desenvolvimento comunitário, constatou que muitas interlocuções informais apenas se resumem em “fofoca”. Ou seja, a comunicação social resume-se a anseios individuais de estar informado sobre a vida alheia.

            Sendo assim, são os atos de falar e ouvir que já podem ser considerados como uma verdadeira inter-relação pessoal. Em uma sociedade onde apenas os interesses individuais estão presentes, conversas sobre temas mais transcendentes nos afugentam. Não queremos nos magoar e questionar os nossos valores e muito menos entender os diferentes pontos de vista. Isso é considerado estressante demais, aborrecido demais.  “Jogar conversa fora” se torna então uma prioridade.