Tentando me
colocar na posição de alguém que nunca teve uma experiência concreta na área
social, fico pensando se novas abordagens
promovidas por diversas organizações sobre o envolvimento do setor
empresarial para o fortalecimento de nossas políticas públicas fazem algum
sentido. Por exemplo, essa nova abordagem intitulada “investimento social
privado”, que nem podemos chamar de conceito, pois lhe falta base literária,
pode conduzir a um entendimento equivocado sobre a área social e, o que é pior,
à aplicação de recursos de forma ineficaz.
Como veremos adiante, o uso aleatório de recursos de empresas para
projetos pontuais na área social pode resultar em uma desagregação entre o
compromisso com a área social e a verdadeira missão institucional de uma
empresa.
Na verdade,
os desafios corporativos são mais amplos do que o papel externo ou comunitário
de uma empresa. Embora esse papel represente um importante desafio corporativo,
não é nem o único, nem tão pouco pode ser tratado de forma isolada. Segundo
diversos especialistas internacionais sobre o tema, há quatro desafios fundamentais
de responsabilidade social corporativa: a. desafios da prática individual em
uma empresa; b. desafios de conduta corporativa; c. desafios do seu
posicionamento externo; e d. desafios éticos no nível macropolítico.
Para o
primeiro grupo de desafios, incluem-se a administração de práticas de conflito
de interesse, o equilíbrio entre vida no trabalho e pessoal, normas de resolução
de conflitos, integração da ética e cultura pessoal e do trabalho, entre
outros. Como uma empresa atua em relação a esses desafios é fundamental para o
fortalecimento de suas práticas no local de trabalho, mas também para
influenciar convivências harmoniosas de seus funcionários. Por exemplo, uma
empresa que atua de forma totalmente rígida e não se abre para o estímulo de
convivência harmoniosa com seus recursos humanos, promove também conflitos
individuais que acabam por refletir em casa e na família (ou seja, na
sociedade).
Em relação
aos desafios de conduta corporativa, algumas organizações, como o Instituto
ETHOS, vêm atuando para avaliar esta conduta, incluindo análises de cultura
organizacional. Esses desafios, geralmente, relacionam-se com a utilização e
perfil dos recursos humanos de uma empresa, suas práticas comerciais (corruptas
ou não), a degradação do meio-ambiente, entre outros. De qualquer forma, mais
uma vez, esse grupo de desafios também reflete em toda a sociedade. Ou seja,
investimentos para a criação de uma cultura corporativa socialmente
responsável, mesmo com ênfase endógena ou diretamente relacionada a suas
práticas comerciais e de produção, estão relacionados ao bem comum.
Talvez, o
grupo de desafios que tem chamado mais atenção nos últimos anos relaciona-se ao
papel externo da empresa junto a comunidades. Para isso, diversos institutos e
fundações de empresas foram criados. Toda a abordagem de investimento social
privado fomenta a criação de estruturas organizacionais mais independentes para
uma atuação externa mais “efetiva”. No entanto, sabe-se que a responsabilidade
empresarial vai muito além de investimentos em comunidades.
Há outros desafios relacionados a
práticas de marketing (que influenciam diretamente comportamentos de públicos
adotantes), integração tecnológica, orientação da missão, visão e valores
corporativos, entre outros. Do que adianta, por exemplo, investir recursos para
o melhoramento dos níveis de escolaridade em uma comunidade específica, quando
se investem milhões no estímulo de práticas anti-sociais, como abuso de bebida
alcóolica, sexo sem conhecimento ou uso de tabaco. Neste sentido, o melhor
investimento social privado, seria anular essas práticas de marketing
comercial, não sendo necessário qualquer investimento em projetos comunitários.
Finalmente,
um outro grupo de desafios relaciona-se ao posicionamento ético no nível macro.
Não há como negar que qualquer prática privada está diretamente relacionada a
alguma lei, norma ou política pública. A total independência da prática privada
é pura ilusão. A compreensão desse eixo macro da importância do bem público é
ainda escassa na maioria das empresas. Como a empresa consegue compreender a
importância do fortalecimento de políticas públicas, contribuindo em sua prática
comercial para a não violação de conquistas históricas de toda a população.
De uma
forma geral, tudo isto representa também um grande desafio para a abordagem de
investimento social privado. Estariam as organizações que promovem esta
abordagem prontas para estimular uma integração com uma estrutura ampla de
desafios sociais corporativos? Ou será que teremos que continuar convivendo com
a visão de que uma estrutura organizacional independente de investimentos
sociais privados é suficiente?
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