segunda-feira, 11 de julho de 2016

O Que É Marketing Social?

     O conceito de marketing social tem sido erroneamente divulgado, debatido e criticado no Brasil. Os desafios para a solução de problemas sociais, amplamente evidenciados durante a última década pela mídia e opinião pública, representaram más e boas notícias para o país. As más relacionam-se a banalização de conceitos e ferramentas estratégicas que vinham se desenvolvendo e amadurecendo no contexto internacional ao longo dos últimos trinta anos. Novos atores, sem prévia experiência na área social, incluindo representantes do setor empresarial, promoveram de forma equivocada, novas “terminologias” que não estão fundamentadas ou embasadas na experiência mundial e princípios norteadores do desenvolvimento humano. 

     A idéia mais evidente desse triste paradigma é a tradução do conceito de marketing social como “estratégias para agregar valor social a imagem ou produtos de uma empresa com fins de lucro”. Essa tradução e banalização do conceito de marketing social estão EQUIVOCADAS! Para citar apenas duas definições reconhecidas internacionalmente de profissionais da área[1], o marketing social é “o uso de planejamento de mercado, estratégia, análise e técnicas gerenciais tradicionais e inovadoras para garantir o bem estar do indivíduo e da sociedade” ou “é a gestão estratégica do processo de introdução de inovações sociais a partir da adoção de comportamentos, atitudes e práticas individuais e coletivas, orientadas por preceitos éticos, fundamentados nos direitos humanos e na equidade social.”

     De qualquer forma, mesmo com essas dificuldades no entendimento do real significado do marketing social no Brasil, há boas notícias. Nunca o país se preparou e investiu tanto para tratar as causas sociais de forma profissional, estratégica e desprendida de uma visão de ganho coorporativo ou individual. Nesse sentido, o resgate dos verdadeiros conceitos de marketing social é imprescindível para que a transformação social se torne uma realidade em nossas comunidades e instituições governamentais, empresariais ou da sociedade civil.



[1] A primeira citação e de Glenn Wasek, professor de marketing social da Harvard University. A Segunda citação é uma co-autoria de Miguel Fontes, Diretor da John Snow Brasil Consultoria, e Márcio Schiavo, Diretor da Comunicarte Marketing Cultural e Social.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Não há problema que não possa ser superado, nem tampouco sucessos que durem para sempre

            Assim como em nossa vida pessoal, as organizações devem ter sempre em mente seus pontos fortes e fracos e compreender bem as ameaças e oportunidades que o ambiente as oferece. Caso contrário, não há como se preparar para futuros desafios e cobrir as deficiências profissionais do presente. A ferramenta SWOT (em inglês traduzida como Strengths, Weaknesses, Opportunities, and Threats) oferece a oportunidade para que uma organização, ou até mesmo um indivíduo, comece um planejamento futuro com o pé direito. Ou seja, é o primeiro passo para a definição de estratégias claras e diretamente relacionadas com os problemas que devem ser enfrentados pelas instituições.

            Não há problema que não possa ser superado, nem tampouco sucessos que durem para sempre. Este deve ser o lema de quem utiliza a análise SWOT para seu planejamento organizacional ou de carreira. No entanto, em muitos casos, organizações perturbam-se tanto com seus problemas rotineiros ou, do outro lado, se sentem tão acomodadas com seu sucesso organizacional que preferem deixar de lado o uso deste tipo de ferramenta estratégica. Parecem acreditar que tudo se resolverá com o tempo ou que o sucesso será mantido por um longo período. Além disto, os problemas e avanços organizacionais parecem estar acima de qualquer análise lógica ou mais simples da realidade.

             A análise SWOT se utiliza de uma simples matriz 2x2, onde a primeira linha determina que de um lado os pontos fortes e de outro os pontos fracos da organização. A segunda linha apresenta de um lado (logo abaixo dos pontos fortes), as oportunidades, e do outro (logo abaixo dos pontos fracos), as ameaças exógenas. A lista destes quatro itens será mais bem definida com a participação ativa de todos aqueles que, de alguma maneira, terão que agir estrategicamente para o fortalecimento organizacional e o cumprimento de metas que serão estabelecidas. Neste caso, o melhor é deixar que todos possam preencher, individualmente, todo o quadro para que depois uma lista consolidada possa ser derivada de um consenso da equipe.

            O produto final deste exercício será uma lista que contribuirá para a priorização de esforços conjuntos, traduzidos por objetivos específicos, estratégias e metas organizacionais a serem desenvolvidos durante um ciclo determinado de tempo. Os próprios membros da equipe que participaram do estabelecimento dos principais itens da análise SWOT deverão também ser escolhidos para a coordenação da execução dos novos objetivos organizacionais e gerência de suas respectivas estratégias e metas. Talvez, durante a execução dos trabalhos, as metas não sejam alcançadas da forma exata com que o planejamento foi elaborado, mas o esforço de planejamento não será em vão.


            Peter Drucker, considerado por muitos o “pai” do conceito de gerenciamento estratégico, gostava de falar da importância do “controle pessoal a partir de práticas de mensuração e estabelecimento de metas”. A análise SWOT oferece exatamente esta plataforma, reduzindo os conflitos internos, pois os objetivos se tornam os principais motivos de um trabalho eficaz. Tudo isto reduz o sentimento de concorrência interpessoal nas organizações sociais e fortalece o posicionamento organização perante os grandes desafios da humanidade: pobreza, destruição do meio ambiente, pandemias e falta de ética. 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Como se estabelecem as determinantes sociais

            Vendo alguns líderes políticos se posicionarem na TV sobre casos de violência, alguns mencionam a baixa escolaridade da população como a principal razão desses acontecimentos. Outros especialistas indicaram problemas econômicos, como os baixos salários de policiais e níveis altos de desemprego. Isto sem falar dos religiosos que insistem em dizer que a principal razão é a falta de fé.

            Tenho que admitir que respeito todas estas diferentes visões de políticos, especialistas e membros da comunidade (religiosa ou não). No entanto, como podemos determinar a participação real de todos estes fatores em relação a um problema social com atos de violência? A única maneira é a aplicação de pesquisas sociais e desenvolvimento de modelos analíticos que possam demonstrar esta associação ou relação explanatória. Com o advento da revolução computacional, há ferramentas estatísticas que podem estabelecer esta relação de forma quantitativa. Ou seja, podemos afirmar a partir de uma margem de erro específica (assim como acontece em pesquisas de intenção de voto) que algumas variáveis são verdadeiramente determinantes para uma disfunção social.

            Por exemplo, qual a participação de variáveis relacionadas à educação, como nível de escolaridade, repetição de série, falta de estímulo escolar, entre outras para uma variação maior ou menor nos níveis de prevalência e incidência de violência entre jovens de 18 e 24 anos? Com o uso de modelos de regressão estatística, dependendo de correlações específicas, pode-se chegar à conclusão de que estas variáveis explicam 0%, 10% ou 20% da variação das taxas de prevalência e incidência de atos de violência. Esta estatística é conhecida como R2 no mundo científico. Sendo assim, caso expliquem menos do que outros fatores, como variáveis relacionadas a dificuldades psicossociais e normativas, logicamente, o uso de recursos será mais bem aplicado em tecnologias sociais que foquem estas outras variáveis.

            O Brasil desenvolve diversos projetos de pesquisa com reconhecimento internacional. No caso do setor de saúde, por exemplo, somente o Brasil e Cuba conseguem investir aproximadamente 3% de todo o recurso destinado a saúde para pesquisa, entre os países não desenvolvidos. No entanto, muito destes recursos são destinados para pesquisas biomédicas. Ou seja, as pesquisas comportamentais, de políticas públicas e sociais recebem pouca atenção dos gestores públicos. Esta atenção é ainda menor no caso de empresas e ONGs que investem e atuam na área social. As poucas pesquisas nesta área se limitam a demonstrar a dimensão do problema, mas não os fatores determinantes.


            Duas exceções empresariais devem ser apontadas como futuras referências nesta área: Durex (empresa da Inglaterra) e Caixa Seguradora (empresa brasileira). No caso da Durex, pesquisas de determinantes foram realizadas em diversos países do mundo sobre questões ligadas a sexualidade, como no caso de relações sexuais sem proteção. No caso da Caixa Seguradora, uma pesquisa foi realizada para a identificação das principais determinantes de atos de violência física entre jovens de 18 a 24 anos do Distrito Federal. A promoção destas experiências poderá dar vazão ao início de um novo ciclo de intervenções sociais, guiadas e fundamentadas pela ciência e não somente pela intuição evasiva de diversos líderes.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Por que o Brasil está abrindo a Caixa de Pandora?

                Dentro do sistema político de relações sórdidas entre os setores público e privado, todos os países do mundo possuem uma Caixa de Pandora. Como na mitologia grega, a Caixa é um jarro onde estão depositados todos os males que podem existir. Na história contemporânea, estes males estão representados pela corrupção, mentiras, quadrilhas, conchavos e tantos outros. Não seria difícil demonstrar que sociedades na maioria dos países são vítimas de todos estes males em maior ou menor grau.

                No entanto, estas mesmas sociedades têm receio de que a abertura da Caixa de Pandora possa trazer desarranjos econômicos e sociais. E, elas estão certas! É exatamente o que isto acontece quando a Caixa de Pandora de um país é aberta. Talvez, isto explique porque raramente uma sociedade está disposta a abrir o jarro. Até porque a história nos ensina que o jarro geralmente é aberto durante revoluções ou guerras civis. Ou seja, a desordem socioeconômica pode ser completa. Raramente, abre-se o jarro seguindo a ordem legal e democrática.

                Não precisamos ir muito longe para descobrir que estes males estão presentes em sistemas mais autoritários e nos mais democráticos. O que acontece no sistema político chinês não é muito diferente do que acontece no sistema político estadunidense. Isto mesmo que tentemos relativizar algumas das suas práticas nefastas. Ou seja, tentar dizer que em um país estas práticas são mais frequentes do que em outro.

                O movimento que foi às ruas em 2013, o Ministério Público, nosso sistema judiciário e a própria deterioração das chamadas “coalizões governamentais” proporcionaram as condições ideais para que a Caixa começasse a se abrir. E, parece que não tem mais volta. Se o Brasil conseguir ir até o fim, assimilar as consequências socioeconômicas desta decisão e não deixar que haja ruptura institucional, estaremos estabelecendo um novo parâmetro de renovação democrática quase sem precedentes na história.

                Não devemos nos preocupar com que o mundo está pensando sobre o Brasil ou se o Brasil deixou de ser um país “atrativo” para novos investimentos. Segundo a mitologia, após a saída de todos os males da famosa Caixa de Pandora, somente fica a “esperança”. Esta nunca morre e nos renovará.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Grande Equívoco do Dr. Drauzio Varella

     Foi com perplexidade que li a última coluna do Dr. Drauzio Varella intitulada “Os Limites do SUS”. Os argumentos apresentados para que o Sistema Único de Saúde se restrinja a população mais pobre não passam de mera especulação sobre a realidade.

     Lendo sua coluna, o Dr. Drauzio parece estar propondo como sistema ideal de saúde o que já acontece no sistema público de educação fundamental no Brasil. Todos sabem que o sistema público de educação fundamental no Brasil não funciona, é sucateado, é mal administrado e com resultados pífios exatamente pela segregação existente entre um sistema para pobres e outro para ricos. Os mais ricos (incluindo a “pobre” classe média) acabam pagando por serviços educacionais e criando pequenas ilhas privadas de eficácia dentro de um universo de ineficiências públicas. O resultado não é ruim somente por questões de aproveitamento, mas pela segregação social gerada.

     A saúde pública é universal não porque o conceito é bonito, mas porque a universalização traz benefícios econômicos e sociais para o país. Mesmo levando em consideração o exemplo do fazendeiro que foi buscar um serviço público de qualidade no Hospital das Clínicas, fica evidente que se o tal fazendeiro conseguiu receber um tratamento de qualidade, os benefícios econômicos que serão gerados para a sociedade (com sua produção agrícola e seu trabalho) são significativos e muito maiores do que os custos efetivos do seu tratamento. Modelos econométricos seriam capazes de facilmente demonstrar este resultado para a sociedade.

     Mesmo não concordando também que o programa de planejamento familiar do Brasil “não saiu do papel”, sendo evidente a redução da taxa de fertilidade em todas as classes sociais nos últimos trinta anos (e de forma significativa entre mulheres com menor renda e escolaridade), a falta de acesso a métodos anticoncepcionais está mais relacionada a problemas de gestão do sistema governamental de saúde do que falta de recurso. Problemas com cronograma de compras, burocracias excessivas, falta de servidores, etc. comprometem o fluxo de oferta dos métodos anticoncepcionais nas unidades administradas pelo governo. No entanto, políticas públicas de barateamento e melhoria dos métodos anticoncepcionais, como no caso dos preservativos, vêm propiciando cada vez mais acesso nas redes privadas.

     Ou seja, o Sistema Único de Saúde, como o próprio nome diz, está presente também na estrutura de oferta de serviços e produtos gerenciada pela iniciativa privada. Isto ocorre tanto no monitoramento da qualidade e concorrência quanto na criação de condições que ampliem o acesso da população aos serviços da rede privada (ex. genéricos). Sendo assim, se os mais pobres estão se beneficiando diretamente do fortalecimento das políticas públicas de saúde dentro do sistema privado, por que os mais ricos (e a “pobre” classe média) não podem também usufruir de serviços e produtos oferecidos pelo governo?

     As contribuições do Dr. Drauzio para a saúde dos brasileiros são incontestáveis. Na verdade, de tudo que li sobre suas reflexões em relação à saúde pública, raramente tenho qualquer discordância. Mas, seria importante esclarecer que o Sistema Único de Saúde não é apenas uma estrutura governamental de fornecimento de serviços e produtos de saúde, mas uma estrutura muita mais ampla que oferece oportunidades de participação ativa da sociedade e do setor privado para assegurar cobertura, qualidade, e o que é mais importante, direitos fundamentais a todos os cidadãos. 

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Equidade social: Solução vital para os problemas da previdência

                O debate voltou com força, para tentar diminuir os rombos da previdência, as soluções focam na igualdade da idade entre homens e mulheres, igualdade entre trabalhadores rurais e urbanos e ampliar a idade mínima para a aposentadoria. Isto além de ideias mirabolantes, como instituir um benefício base com valor menor que o salário mínimo e a privatização completa do sistema previdenciário.  Com a transição demográfica, mesmo com estes ajustes, a previdência vai quebrar.  O problema é que tudo isto nada mais é do que um paliativo para não confrontar questões sociodemográficas e culturais mais profundas.

                A taxa de mortalidade dos homens é muito maior do que mulheres durante a fase adulta. Embora nasçam mais homens do que mulheres no Brasil, os homens morrem muito mais cedo. Em média, mulheres vivem 7,8 anos a mais do que os homens. A principal determinante para a morte precoce de homens está relacionada à cultura do machismo. Sendo assim, perde-se a força de trabalho dos homens que deveriam estar contribuindo para o fortalecimento previdenciário.

Essas são as questões principais: a base da pirâmide demográfica está diminuindo rapidamente (com taxas de fecundidade cada vez mais baixas) e na base da pirâmide, mulheres estão ficando sobrecarregadas e pressionadas a aumentar sua produtividade (em casa e no trabalho) em função da mortalidade e mortandade dos homens.

A solução então está na equidade social, principalmente de gênero e raça.

Programas que reduzam as altas taxas de violência entre homens (principalmente mais jovens), que contribuam para aumentar o papel social dos homens (em suas famílias e comunidades) e que reduzam a discriminação são fundamentais. Qualquer solução tecnocrata que se baseie apenas em receitas e despesas é um paliativo. Precisamos aprofundar o debate e trazer para a agenda de discussão as determinantes socioculturais que fazem qualquer sistema previdenciário governamental insustentável em longo prazo no Brasil.

            A lógica precisa ser invertida, pois não é a sociedade que está à mercê do sistema previdenciário, mas sim o sistema previdenciário está à mercê da nossa sociedade.  Uma sociedade que não valoriza a equidade social nunca terá um sistema previdenciário sustentável. 

terça-feira, 17 de maio de 2016

Já está na hora de reconhecermos os efeitos das transições demográfica, epidemiológica e climática

                Há algum tempo, no Brasil, o social se restringia a questões relacionadas à miséria, fome e doenças transmissíveis. Os avanços alcançados nessas áreas foram impressionantes. Temos sempre que reconhecer o valor das novas políticas públicas e sociais que deram à população brasileira oportunidades de participar das riquezas econômicas do país e buscar seus direitos de cidadão. Estamos muito longe da utopia de uma sociedade igualitária, mas bem perto de números que comprovam que os avanços foram significativos: 1) o Brasil saiu do mapa da fome da ONU; 2) conquistas significativas foram alcançadas para reduzir a mortalidade infantil; 3) milhões de brasileiros saíram da miséria.

               Tudo isto é bem oportuno se levarmos em consideração os desafios que os profissionais da área pública (não necessariamente governamental) terão que enfrentar nas próximas décadas. São desafios de dimensões catastróficas se a atuação dos agentes públicos (não necessariamente governamental) não for rápida, estratégica e sustentável. As transições demográfica, epidemiológica e climática estão alterando rapidamente o cotidiano dos indivíduos, famílias, comunidades, cidades e país.

                Não há mais como negar o aumento significativo de idosos em relação ao número de crianças do Brasil. Estamos envelhecendo e muito rapidamente. Parece até o movimento de urbanização dos anos 70 que alterou em definitivo a composição de nossa sociedade. Esta transição fará com que o sistema de previdência tenha que ser revisto, assim como as relações econômicas, pois os mais jovens não conseguirão criar as riquezas necessárias para sustentar a qualidade de vida para todos os idosos.

                Estamos vivendo mais, mas não necessariamente melhor. A incidência de doenças crônicas aumenta na mesma medida em que as doenças transmissíveis diminuem. Logicamente, ainda teremos que conviver com doenças transmissíveis como Zika, Dengue, H1N1, tuberculose. No entanto, nada se compara ao aumento das doenças crônicas como diabetes, doenças do sistema circulatório, obesidade, causas externas.

                Há também a transição climática. Em todas as cidades, já se verifica o aumento das temperaturas, a mudança da estação de chuvas e seca, aumento de fenômenos climáticos. O Brasil que parecia ser imune a este tipo de fenômeno, hoje convive com ciclones e tufões. Isto sem falar da poluição que mata milhares de pessoas todos os anos e as queimadas que intensificam as doenças respiratórias, principalmente as crianças.

                Temos que rever nosso conceito de social e público. Os sistemas de saúde, previdência, educação, meio-ambiente e assistência social estão em perigo. A proposta desastrosa de privatização para enfrentar estes desafios sociais e públicos e outra que foca apenas na participação governamental já foram implementadas nos países desenvolvidos. Não podemos seguir este mesmo modelo. O custo de saúde nos Estados Unidos já representa mais de 17% do PIB do país e não é sustentável. Ao mesmo tempo, os sistemas puramente governamentais da Europa e Japão de previdência não conseguem mais assimilar o ritmo frenético de envelhecimento e a baixíssima taxa de fertilidade.


                Qual seria então a alternativa? Nas próximas postagens algumas sugestões.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Entre a liderança e gestão de ONGs: Quem manda afinal de contas?

            A estrutura de qualquer organização, seja ela governamental, não-governamental, ou empresarial, deve estabelecer claramente a diferença entre os âmbitos de liderança e gestão. No entanto, como a maioria das organizações ou unidades de governo começam muito pequenas, essa diferença geralmente não é estabelecida de forma adequada. Isso pode ser em função dos poucos membros que compõem a organização e seus fundadores no início, fazendo com que, muitas vezes, os seus líderes sejam os mesmos encarregados de sua gestão. É comum visitar uma ONG no Brasil, por exemplo, e verificar que os membros do conselho são os mesmos que monitoram e gerenciam as atividades da organização no seu dia a dia. Ou seja, não há diferença, na prática, entre os âmbitos de liderança e gestão.

            Após verificar o crescimento da organização, forças contraditórias começam a gerar conflitos para a definição desses papéis. Os antigos líderes-gestores não querem ceder suas influências sobre a gestão da organização e os novos gerentes, que porventura são contratados, acham que, por receberem um papel de destaque na organização, podem ir muito além de suas atribuições gerenciais ou de diretoria. No caso de uma empresa ou organização governamental, essa dificuldade não é tão grande, pois o poder está nas mãos de quem possui o capital financeiro ou capital político. Sendo assim, os novos gestores estão mais propensos a acatar suas atribuições específicas. Porém, este não é o caso das ONGs.

No caso de ONGs, por se tratar de uma estrutura mais coerente com o conceito de economia solidária, a propriedade é fundamentada em conceitos abstratos de participação e envolvimento. Ou seja, a propriedade é de todos os “stakeholders” da organização, de funcionários aos membros do conselho. Isso sem falar dos “membros da comunidade”. Esta propriedade solidária traz benefícios, logicamente, pois o poder está melhor distribuido entre os vários níveis da organização. Oferecem-se oportunidades de envolvimento integral dos funcionários no destino da organização, assim como do poder público e da sociedade em geral.

De qualquer forma, no caso específico do esclarecimento de papéis entre os seus líderes (membros do conselho) e gestores (diretores executivos ou técnicos), diversos dilemas são observados, sendo o principal deles: Quem tem o poder de mando na organização? Esta é uma questão delicada e a única forma de tratá-la é com bom senso em contínuo esclarecimento de papéis. Na verdade, diversas referências bibliográficas deixam clara esta diferença: a liderança é responsável pela definição da missão organizacional, do seu planejamento estratégico, das relações institucionais, do monitoramento financeiro e fiscal e da seleção ou demissão de diretores executivos e técnicos. Ou seja, está vinculada ao conceito de “governança” da organização. Do outro lado, os gestores são responsáveis pelo monitoramento e avaliação dos projetos e metas, supervisão dos funcionários contratados, execução do planejamento estratégico e reportes contínuos ao conselho sobre as atividades desenvolvidas.


Em base a essas atribuições, o poder de mando, claramente, difere entre a liderança e a gestão. Os problemas, no entanto, começam a ocorrer quando líderes e gestores cruzam algumas linhas tênues de mando. Ou seja, os gestores, por exemplo, começam a achar que tem direito de falar por toda a organização sobre assuntos relacionados a parcerias institucionais. Do outro lado, líderes decidem ficar mais atuantes no dia a dia da organização, interferindo nas atribuições de seus gestores. A melhor solução para este dilema é uma boa conversa entre os líderes e gestores da organização para uma revisão dos papéis. No entanto, a parte que claramente “cruzou os limites” deve ter humildade suficiente para reconhecer seu erro e reavaliar seu papel na organização.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Técnicos e Políticos

                A ingerência política em questões técnicas já passaram todos os limites do incompreensível. Profissionais que possuem conhecimento técnico em diversas áreas, como saúde, educação, mineração, etc. estão, na maioria dos casos, reféns de políticos que não possuem qualquer experiência ou trajetória nestas áreas técnicas. Porém, os técnicos também devem ser responsabilizados, pois muitas vezes não querem participar do jogo político. Ou seja, ficam achando que não podem enfrentar os “poderosos” e o jogo de poder.

                Um país atinge um grau avançado de maturidade política e democrática quando suas instâncias executivas se tornam verdadeiramente autônomas. Isto depende da força de mobilização dos seus técnicos. No caso do governo, isto não acontece apenas pela privatização, mas pelo estabelecimento de autonomia de gestão de suas autarquias, institutos, fundações, etc. Não se pode mais pensar que um presidente indique qualquer pessoa para  cargos nas organizações públicas. Isto, de certa forma, confere poderes ditatoriais aos líderes de um país.

                A autonomia do Banco Central em diversos países é um exemplo claro deste avanço. Não se pode privatizar o Banco Central, mas sua autonomia confere segurança jurídica e executiva para a implementação de uma boa política monetária. Esta também deveria ser uma prática na área social. O estabelecimento de unidades autônomas de execução de políticas públicas confere a servidores, fornecedores, gestores e sociedade a possibilidade de maior controle das ações governamentais e seu engajamento para a melhoria das condições de vida da população. 

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Análise exploratória vs. Análise explanatória: Impactos para a sexualidade do brasileiro

     A revolução digital trouxe, nos últimos anos, conquistas para a humanidade em todas as áreas do desenvolvimento. Na área social, não foi diferente. Cálculos estatísticos de grande complexidade que levariam meses para ser realizados, hoje, podem ser rapidamente executados com o aperto de apenas um botão. Esses cálculos contribuem para a definição de associações existentes entre problemas sociais (como uso de drogas, práticas de violência, não uso de preservativo, hábito do fumo, etc.) e determinantes econômicas, sociais e/ou comportamentais (como a pobreza, normas culturais e dificuldades de relacionamentos).

     Antes da revolução tecnológica, as pesquisas sociais focavam análises exploratórias dos dados. Ou seja, a definição de perfis de comportamento e dos próprios problemas sociais. Por exemplo, se constatamos que 14% de uma população de jovens já experimentou o uso de drogas ilícitas em algum momento de sua vida, qual a contribuição desse indicador para uma nova intervenção social? Logicamente, esse indicador apresenta um perfil de comportamento. Isso é importante para entendermos a magnitude do problema, mas não apresenta quais as determinantes que influenciariam para uma variação significativa desse número para mais ou menos. Será que jovens que conversam mais com seus pais e/ou são do sexo feminino são menos vulneráveis a esse consumo?

     Essas são hipóteses importantes que precisam ser testadas para que um problema social seja atacado corretamente. Isso reduz os custos de novas intervenções sociais, dando mais foco e adaptando a linguagem. Se mesmo no caso de vacinas, toda a população não precisa ser vacinada para um país atingir um nível de 100% de cobertura, em função do conceito de “proteção herdada”, não é de surpreender que outras questões sociais precisariam apenas focar em menos de 10% de uma população.

     No entanto, onde estão essas vulnerabilidades? Como identificá-las? Será que há apenas uma determinante fundamental para que um problema social se estabeleça? Por exemplo, será que todo o problema de violência urbana pode ser atribuído a falta de educação da população, como ouvimos rotineiramente nas vozes de políticos e leigos?

     A ciência social evoluiu bastante nos últimos anos para responder a essas importantes perguntas. Na grande maioria dos casos, não há como se estabelecer uma causa única para os problemas sociais. As pesquisas “causais” são geralmente realizadas em laboratórios e estão diretamente ligadas a disfunções físicas e mentais que causam determinadas doenças e/ou mortes. Ou seja, a pesquisa “causal” é a busca pelo estabelecimento de um fator que explica 100% de um fenômeno social.

     Sendo assim, mesmo levando em consideração que não podemos estabelecer uma única causa para um problema social, um novo campo se abre de investigação com a possibilidade do desenvolvimento de pesquisas de cunho explanatório. Ou seja, pesquisas que consigam atribuir objetivamente a associação entre determinantes sociais, econômicas e comportamentais e os problemas objeto de investigação. Nesse caso, há de se vestir as “sandálias da humildade” e compreender que sempre haverá fatores que vão além de um modelo estatístico estabelecido.

     Na literatura internacional, alguns modelos considerados robustos e de grande significância estatística apenas conseguem estabelecer níveis explicativos de variação de um problema social até no máximo 10%. Logicamente, o ideal é sempre tentar incorporar variáveis que aumentem esse valor, mas já devemos considerar que um nível de explicação de 100% é simplesmente uma utopia.

     Para exemplificar com um caso recente de como se deve ter cuidado para não confundir análises de cunho exploratório e análise de cunho explanatório, um estudo recente realizado pela Durex Network sobre a sexualidade do brasileiro foi bastante esclarecedor. Em um primeiro momento, foi perguntado aos brasileiros quais seriam suas principais fontes de educação sexual. Como demonstrado na pesquisa mundial da Durex Network sobre sexualidade, no ranking de principais fontes, amigos/colegas “venceram” facilmente as outras fontes de educação com mais de 75% das indicações. Foi interessante observar também que os pais e responsáveis ficaram em 7º. Lugar com apenas 33% das referências.
  
     Em base a esse resultado de cunho exploratório, o que fazer? Logicamente, muitos especialistas em marketing social diriam que o foco de novas atividades educativas deveriam ser com os próprios amigos e colegas, enfatizando talvez iniciativas como a de “multiplicadores do conhecimento”.

     No entanto, a pesquisa da Durex Network (www.durexnetwork.org) foi além! Em base a uma análise explanatória, buscou-se identificar quais dessas fontes teria realmente impacto sobre o nível de confiança dos brasileiros em relação a sua sexualidade. Pois, não se pode afirmar que por alguém ser mais exposto a uma fonte de educação, tornar-se-á mais confiante. Talvez essa fonte não seja a mais eficaz..

     Para surpresa dos pesquisadores, apenas uma fonte se mostrou significativamente mais eficaz do que todas as outras em relação a maior confiança sobre a sexualidade dos brasileiros: os pais ou responsáveis. Ou seja, com os amigos/colegas realmente se conversa muito sobre sexo, mas não há qualquer impacto objetivo sobre níveis de confiança. Do outro lado, com pais e responsáveis não se conversa muito, é fato, mas essa fonte é a principal determinante para explicar níveis de variação positiva na sexualidade do brasileiro.

     Nem tudo é aquilo que se vê. Um profissional de marketing social deve sempre ter um perfil investigativo e validar os indicadores de pesquisa com senso crítico. Pois, o objetivo é sempre impactar positivamente a vida das pessoas e da comunidade. Ou seja, da próxima vez que tomar conhecimento sobre o lançamento de uma nova pesquisa, nunca aceite seu resultado sem se perguntar... Quais são as variáveis que realmente têm impacto para a melhoria da qualidade de vida da sociedade?

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Somos uma economia de mercado privado, mas não público

                Somente no último ano, consegui ganhar três causas na justiça de pequenas causas contra empresas privadas no Brasil. Após diversas tentativas de tentar conseguir solucionar meus problemas com estas empresas, não tive outra escolha e busquei meus direitos na justiça. Foram processos contra problemas com serviços prestados, multas abusivas e problemas trabalhistas de uma empresa. Ou seja, tenho segurança jurídica na hora de contratar e buscar meus direitos como consumidor no mercado privado.

                No entanto, na minha comunidade, as cinco reclamações que fiz em relação aos serviços prestados por órgãos públicos nem se quer foram analisadas. Estou apenas esperando o resultado para entrar na justiça. Além disso, me informaram que nestes casos terei que entrar em uma instância específica em relação aos serviços prestados pelo mercado público. Membros da minha família também já entraram na justiça contra o INSS para reparar buracos no cálculo de aposentadoria, mas nem se quer houve uma manifestação de sentença até o momento. Ou seja, não tenho qualquer segurança jurídica na hora de solicitar e buscar meus direitos como cidadão no mercado público.

                Esta dicotomia que vivemos no país está cada vez mais evidente. Não considero que nossas diferenças sejam fundamentalmente entre classes sociais no Brasil, mas na capacidade de utilizar ou não o mercado privado. O mercado privado deveria funcionar apenas para o consumo mais supérfluo, mas hoje o utilizamos prioritariamente para compensar as lacunas inadmissíveis dos serviços prestados pelo mercado público. Acaba se tornando o único recurso, pois temos certeza da dificuldade de garantir esses direitos no âmbito do judiciário.

                 O mercado público também tenta impor a população o conceito de “desacato a autoridade”, mesmo para seus serviços prestados. Ou seja, o que era para ser um prestador de serviço, se coloca na posição de “autoridade” (aquele com direito de fazer obedecer). Em alguns órgãos públicos a lei de “desacato a autoridade” está estampada claramente para inibir qualquer cidadão de reclamar seus direitos.

                Não consigo ver um país desenvolvido apenas pelo viés do mercado privado. Fico feliz em ver que conquistas foram atingidas para dar dignidade ao consumidor e segurança legal para o atendimento de seus desejos. Porém, estou convencido que ainda estamos muito longe de um mercado público que ofereça dignidade ao cidadão e segurança legal para o atendimento de suas necessidades.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

As dimensões da avaliação de impacto social

            Há um parâmetro estabelecido entre os especialistas que o orçamento para o item de avaliação deveria corresponder entre 7 e 14% do total de um programa ou investimento social. O volume estaria vinculado proporcionalmente a ganhos de escala de avaliação entre programas com menos e mais recursos. Os programas com mais recursos acabariam diminuindo os custos proporcionais com avaliação, pois instrumentos idênticos de avaliação seriam utilizados em diversas unidades de centro de custo; enquanto, para programas com menos recursos, o esforço seria o mesmo para a concepção de marco lógico e ferramentas de pesquisa avaliativa, mas com aplicabilidade mais restrita a apenas algumas unidades de centro de custo.

            Essa relação pode ser melhor demonstrada na tabela abaixo:

TABELA 1

Programa
Valor total de orçamento
Unidades de Centro de Custo
Proporção do Investimento em Avaliação por Unidade
Proporção de Avaliação do Total do Orçamento
Programa A
R$100.000,00
2
R$7.000,00
14%
Programa B
R$500.000,00
10
R$5.000,00
10%
Programa C
R$1.000.000,00
20
R$3.500,00
07%

No entanto, verificar-se que esse é um item negligenciado na maioria dos programas sociais. Ou seja, recebe basicamente 0% do valor do programa, independentemente do seu valor global. Nesse patamar, logicamente, não há nem o que discutir. O programa caracteriza-se apenas por desembolsos financeiros, sem nenhum compromisso com sustentabilidade, impacto ou verificação de retornos sócio-econômicos.

A própria revista The Economist em sua edição de abril de 2008 (encarte especial) indica que o futuro desafio da responsabilidade social corporativa será a demonstração efetiva dos retornos alcançados por essas ações. Além disso, organizações nacionais começam a demonstrar que é possível avaliar os resultados financeiros, econômicos e sociais desses investimentos.

Em relação aos resultados financeiros, buscam identificar os níveis de custo-eficácia das intervenções. Quantitativamente, demonstram que o mais “barato” pode ter um custo maior no final do dia. Por exemplo, um programa que tem um custo de R$100.00, mas com uma eficácia de apenas 40% do que se propôs inicialmente a fazer; na realidade, apresenta um custo-eficácia de R$250,00; ou seja, o valor do custo (R$100.00) sobre o valor da eficácia (0.4). No entanto, outro programa com um custo bem mais elevado de R$150,00, mas com uma eficácia de 90%, resultará em um custo-eficácia de R$166,67. Ou seja, um valor de custo eficácia significativamente menor do que o primeiro programa.

Para os resultados econômicos, atribuem valores aos benefícios atingidos pelos programas em valores monetários. Sendo assim, qual é o benefício econômico garantindo-se a não repetência de um aluno na escola pública. Esse valor pode ser facilmente relacionado a produtividade verificada no mercado, conforme a tabela abaixo:

TABELA 2

Segmento
Remuneração Mensal
Aumento de Produtividade Potencial Futura
5 anos de escolaridade
R$420,00
N/A
6 anos de escolaridade
R$520,00
24%
7 anos de escolaridade
R$620,00
19%

Sendo assim, o ganho mensal de R$100,00 de 5 para 6 anos de escolaridade podem ser computados como benefício econômico e confrontados com os custos econômicos do programa. Chegando ao ponto de demonstrar que para cada R$1.00, o investimento trouxe retornos econômicos de, por exemplo, R$10.00, R$15.00 e assim sucessivamente.

Finalmente, os resultados sociais estão relacionados aos ganhos de equidade com o programa social. Grupos menos privilegiados que conseguem efetivamente ter acesso a bens públicos e sociais, incluindo conhecimentos, atitudes e práticas, contribuirão para uma sociedade menos injusta, com redução de preconceitos, violência e intolerâncias. Isso também pode ser demonstrado quantitativamente, com índices de concentração e diferenças sociais (ex. Índice de Desenvolvimento Humano).

Todo esse raciocínio é apenas para demonstrar que é possível avaliar os programas sociais dentro de uma lógica de investimentos. No entanto, nada será demonstrado se ferramentas de avaliação não forem utilizadas corretamente ou recursos para avaliação forem tratados como um “luxo desnecessário”. 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Quero falar sobre política, futebol e religião

            No Brasil, todos já conhecem a famosa frase: “sobre política, futebol e religião não se discute.” Nunca entendi, ao certo, a razão dessa afirmação que, para muitos, representa uma verdade incontestável. Lógico que não sou nenhum ingênuo e já presenciei fervorosas brigas de bar, entre membros familiares e colegas de trabalho quando se invoca um desses três assuntos. Isso principalmente quando os interlocutores apresentam pontos de vista diferentes.  No entanto, fico me perguntando será que não tem outro jeito?

            Sempre falamos que no marketing social um dos principais recursos a ser gerado para garantir a eficácia das intervenções é o capital social, representado pelas inter-relações pessoais que contribuem para adoção dos produtos sociais. Muitos confundem essa definição de capital social com interlocuções informais em nosso dia-a-dia. Um amigo meu que está terminando o seu doutorado na universidade de Harvard nos Estados Unidos e fez alguns estudos sobre desenvolvimento comunitário, constatou que muitas interlocuções informais apenas se resumem em “fofoca”. Ou seja, a comunicação social resume-se a anseios individuais de estar informado sobre a vida alheia.

            Sendo assim, são os atos de falar e ouvir que já podem ser considerados como uma verdadeira inter-relação pessoal. Em uma sociedade onde apenas os interesses individuais estão presentes, conversas sobre temas mais transcendentes nos afugentam. Não queremos nos magoar e questionar os nossos valores e muito menos entender os diferentes pontos de vista. Isso é considerado estressante demais, aborrecido demais.  “Jogar conversa fora” se torna então uma prioridade.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Pensamento do dia:

     Não temos como apagar algumas pessoas ou acontecimentos do nosso caderninho, mas temos como virar a página.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Investimento Social Privado em Todas as Suas Dimensões

            Tentando me colocar na posição de alguém que nunca teve uma experiência concreta na área social, fico pensando se novas abordagens  promovidas por diversas organizações sobre o envolvimento do setor empresarial para o fortalecimento de nossas políticas públicas fazem algum sentido. Por exemplo, essa nova abordagem intitulada “investimento social privado”, que nem podemos chamar de conceito, pois lhe falta base literária, pode conduzir a um entendimento equivocado sobre a área social e, o que é pior, à aplicação de recursos de forma ineficaz.  Como veremos adiante, o uso aleatório de recursos de empresas para projetos pontuais na área social pode resultar em uma desagregação entre o compromisso com a área social e a verdadeira missão institucional de uma empresa.

            Na verdade, os desafios corporativos são mais amplos do que o papel externo ou comunitário de uma empresa. Embora esse papel represente um importante desafio corporativo, não é nem o único, nem tão pouco pode ser tratado de forma isolada. Segundo diversos especialistas internacionais sobre o tema, há quatro desafios fundamentais de responsabilidade social corporativa: a. desafios da prática individual em uma empresa; b. desafios de conduta corporativa; c. desafios do seu posicionamento externo; e d. desafios éticos no nível macropolítico.

            Para o primeiro grupo de desafios, incluem-se a administração de práticas de conflito de interesse, o equilíbrio entre vida no trabalho e pessoal, normas de resolução de conflitos, integração da ética e cultura pessoal e do trabalho, entre outros. Como uma empresa atua em relação a esses desafios é fundamental para o fortalecimento de suas práticas no local de trabalho, mas também para influenciar convivências harmoniosas de seus funcionários. Por exemplo, uma empresa que atua de forma totalmente rígida e não se abre para o estímulo de convivência harmoniosa com seus recursos humanos, promove também conflitos individuais que acabam por refletir em casa e na família (ou seja, na sociedade).

            Em relação aos desafios de conduta corporativa, algumas organizações, como o Instituto ETHOS, vêm atuando para avaliar esta conduta, incluindo análises de cultura organizacional. Esses desafios, geralmente, relacionam-se com a utilização e perfil dos recursos humanos de uma empresa, suas práticas comerciais (corruptas ou não), a degradação do meio-ambiente, entre outros. De qualquer forma, mais uma vez, esse grupo de desafios também reflete em toda a sociedade. Ou seja, investimentos para a criação de uma cultura corporativa socialmente responsável, mesmo com ênfase endógena ou diretamente relacionada a suas práticas comerciais e de produção, estão relacionados ao bem comum.

            Talvez, o grupo de desafios que tem chamado mais atenção nos últimos anos relaciona-se ao papel externo da empresa junto a comunidades. Para isso, diversos institutos e fundações de empresas foram criados. Toda a abordagem de investimento social privado fomenta a criação de estruturas organizacionais mais independentes para uma atuação externa mais “efetiva”. No entanto, sabe-se que a responsabilidade empresarial vai muito além de investimentos em comunidades.

Há outros desafios relacionados a práticas de marketing (que influenciam diretamente comportamentos de públicos adotantes), integração tecnológica, orientação da missão, visão e valores corporativos, entre outros. Do que adianta, por exemplo, investir recursos para o melhoramento dos níveis de escolaridade em uma comunidade específica, quando se investem milhões no estímulo de práticas anti-sociais, como abuso de bebida alcóolica, sexo sem conhecimento ou uso de tabaco. Neste sentido, o melhor investimento social privado, seria anular essas práticas de marketing comercial, não sendo necessário qualquer investimento em projetos comunitários.

            Finalmente, um outro grupo de desafios relaciona-se ao posicionamento ético no nível macro. Não há como negar que qualquer prática privada está diretamente relacionada a alguma lei, norma ou política pública. A total independência da prática privada é pura ilusão. A compreensão desse eixo macro da importância do bem público é ainda escassa na maioria das empresas. Como a empresa consegue compreender a importância do fortalecimento de políticas públicas, contribuindo em sua prática comercial para a não violação de conquistas históricas de toda a população.


            De uma forma geral, tudo isto representa também um grande desafio para a abordagem de investimento social privado. Estariam as organizações que promovem esta abordagem prontas para estimular uma integração com uma estrutura ampla de desafios sociais corporativos? Ou será que teremos que continuar convivendo com a visão de que uma estrutura organizacional independente de investimentos sociais privados é suficiente?   

terça-feira, 22 de março de 2016

“De cima para baixo” não funciona na administração pública

                Além da clássica diferença entre administração pública e privada, em que na primeira o gestor apenas pode fazer aquilo que está previsto em lei e que na segunda o gestor pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, é importante ressaltar que a forma de aplicação das ferramentas de mudança organizacional também é diferente. Na administração pública, as mudanças realizadas de cima para baixo são desastrosas. A elaboração de decretos, portarias e leis sem a participação de duas partes interessadas fundamentais, servidores e sociedade, está fadada ao fracasso.

                Muito se fala que administrar o setor público é o mesmo que administrar uma casa ou uma empresa. Isto não é verdade! Muitos gestores públicos apenas dizem isto para simplificar o entendimento da opinião pública sobre cortes de gastos e aumento na arrecadação. Muitos dos gastos do governo estão atrelados a leis específicas e não há grandes manobras para mudança. Isto em função de leis previdenciárias, de assistência social, saúde, educação, etc. Seria como dizer para uma dona de casa, corte os gastos, mas, por lei, não pode mexer no orçamento de alimentação, plano de saúde e na mensalidade da escola de seus filhos.

                 Para que reformas funcionem no setor público, quanto maior a participação de servidores e sociedade melhor. Um exemplo disto é a reforma da previdência. Lógico que o sistema previdenciário brasileiro necessita de reformas urgentes, mas isto não será atingido com uma “canetada”. Um plano de consenso com a sociedade e servidores é a melhor alternativa para que esta mudança ocorra sem a necessidade de recorrer aos tradicionais mecanismos de clientelismo entre o executivo e o legislativo (aliás, a população já não aguenta mais isto). Ou seja, antes de anunciar propostas “de cima para baixo” em uma eventual mudança previdenciária, um ciclo de debates com a sociedade e servidores é essencial para amadurecer as sugestões de ajustes.


                Verdadeiros gestores públicos que sabem mediar o debate e buscam consenso para mudança no Estado em torno de propostas técnicas bem fundamentadas serão sempre os mais bem sucedidos. Esses gestores participam ativamente desses debates, trazendo ideias e fundamentando seus argumentos. Os gestores de gabinete, ao contrário, pensam que sabem mais e que não precisam gastar seu tempo com discussões desnecessárias. Entretanto, ao final de sua gestão, acabam reféns de suas próprias armadilhas sem deixar qualquer legado.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Novo vídeo da série sobre Mercado Social da JohnSnow. Confira:

https://www.youtube.com/watch?v=emkijtiM5C0

Qual a importância de um selo de responsabilidade social corporativa

O valor de um selo de responsabilidade social torna-se sem validade ou importância caso o conceito ou causa a qual ele se refere não esteja claro ou internalizado na mente do consumidor ou da empresa. Ou seja, o selo traz apenas um valor simbólico para o compromisso de uma empresa com este conceito ou causa social. Sendo assim, mais importante do que participar dos processos de comunicação e conscientização sobre como uma "marca" está associada a uma causa social, empresas devem estar dispostas a promover a causa social com desprendimento de intenções e busca de melhoria de qualidade de vida da sociedade.

    Logicamente, não consigo enxergar nem "perigo", nem muitos aspectos positivos na criação de selos para ações socialmente responsáveis. Seria até ingenuidade pensar desta maneira. Além disso, seria atribuir um peso a um valor simbólico que ele verdadeiramente não possui. O envolvimento de empresas com causa sociais não traz benefícios financeiros imediatos para a empresa. Todos os estudos que tentaram demostrar esta relação causal entre o envolvimento da empresa em causas sociais e ganhos financeiros (em função de melhor imagem ou outro aspecto de marketing) constatam que isto simplesmente não acontece. Estudos que demonstram o contrário, geralmente, apresentam sérios problemas metodológicos ou são claramente tendenciosos. O conceito de investimento social privado, por exemplo, deve ser sempre colocado dentro de uma perspectiva de sustentabilidade organizacional e social de longo prazo e não de lucro imediato em função deste envolvimento. Devo reconhecer que um selo não contribui muito na discussão mais complexa e pertinente de sustentabilidade, porém, também não interfere.   

    O selo exerce uma função muito específica. Por exemplo, os correios de diversos países criam novos selos a cada ano para envio de correspondências. No entanto, a função do selo é apenas indicar que a taxa de transporte de uma encomenda ou carta foi devidamente paga. Talvez, uma analogia com o caso de selos para ações socialmente responsáveis poderia seguir o mesmo raciocínio. Novos selos serão continuamente criados para estampar melhor o envolvimento de algumas empresas com causas sociais, porém, a função desses selos será sempre indicar que a empresa está também pagando uma taxa para dizer que se envolve na melhoria da qualidade de vida da população na hora de empacotar seus produtos. No caso dos correios, não sei distinguir bem a diferença entre um selo que estampa a imagem de Tiradentes ou da bandeira nacional. Tenho que confesar que fico mais interessado em abrir logo a minha correspondência ou produto e ver se realmente o conteúdo contribui para melhorar o meu trabalho e bem estar. Sendo assim, deixo a análise do valor dos selos para os colecionadores.

terça-feira, 15 de março de 2016

Seis Sigmas: Até onde vai o papel da comunicação massiva

            Os meios de comunicação massivos despertaram países para uma linguagem em comum e promovem tendências de forma generalizada. Talvez, este tenha sido o principal interesse de governos para utilizar os meios massivos de comunicação com o objetivo de informar a população sobre suas estratégias sociais. Campanhas de prevenção de acidentes de trânsito, transmissão do HIV/AIDS, trabalho infantil, entre outros, disponibilizam para toda a população a realidade do problema e formas de resolvê-los a partir de mudanças de comportamento. No entanto, o que acontece quando a população já se encontra bem consciente destes problemas e formas de preveni-los, mas a realidade social continua a mesma? Ou seja, elevados números de acidente de trânsito, elevadas taxas de transmissão do HIV/AIDS, etc.

            De acordo com um novo entendimento sobre a realidade social, o problema não mora na “normalidade” do comportamento de toda população, mas na anormalidade de alguns segmentos específicos. Um conceito inovador vem sendo trabalhado nos últimos anos sobre a necessidade de “normalizar” a curva de comportamentos sociais. Esse princípio vem da constatação de que sempre haverá a probabilidade estatística de 5% dos comportamentos estarem fora do intervalo de confiança para toda a população. Em termos estatísticos, isso quer dizer que há 95% ou 4 sigma de confiança de comportamentos preventivos estarem sendo seguidos pela população. Sendo assim, o “estrago” que esta situação pode causar é muitas vezes devastadora. Motoristas, por exemplo, fora do intervalo de confiança de comportamentos, que decidem dirigir embriagados podem causar sérios danos a ele/ela mesmo(a) como também a um número significativo de pessoas que se encontram no intervalo de confiança de comportamentos. É importante ressaltar ainda que se a probabilidade estatística aumentar para 10% ou 15% com redução da cobertura de sigmas, sistemas importantes de saúde, previdência e educação podem simplesmente entrar em convulsão.

            Seis sigmas (99.9997%) é o intervalo de confiança que indica que praticamente 100% dos comportamentos estão dentro de um intervalo de segurança estatístico. Sendo assim, é responsabilidade dos governos, sociedade civil e empresas tentar atingir este grande desafio. No entanto, campanhas massivas atingem exatamente quem já se encontra próximo ao intervalo de confiança da população, mas não quem está fora dele. Neste sentido, a aplicação de estratégias de segmentação é a mais consistente e identifica com clareza qual a mudança de comportamento poderá trazer benefícios sociais mais significativos.


            É importante ressaltar, no entanto, que a era dos “seis sigmas” na área social está apenas começando. Serão necessários recursos para a implementação de novos sistemas de coleta de dados e análises estatísticas. Além disso, deverá ser priorizado o uso eficiente de técnicas de gestão social, indo muito além da elaboração de uma campanha social. Fazendo uma pequena analogia, campanhas massivas de comunicação representam apenas uma limpeza superficial em todas as “laranjas” (comportamentos) de uma grande caixa, porém não contribuem para a identificação e retirada das “laranjas podres” (comportamentos anti-sociais).      

segunda-feira, 7 de março de 2016

Mar da Economia Mundial em Fúria: As Bússulas mais Necessárias do que Nunca

            Parece até filme! Quanto mais se luta contra a tormenta, mais as chuvas e trovoadas econômicas se intensificam. Ninguém sabe se os governos em todo o mundo terão condições de diminuir os grandes solavancos econômicos. Tudo isso tem repercussão significativa também para os investimentos socioambientais. Isso mesmo levando em consideração que a sustentabilidade socioambiental do planeta é a única forma de iniciarmos um novo ciclo de calmaria econômica.

            No entanto, não podemos fugir mais da tormenta! Temos que enfrentá-la. Sendo assim, alguns programas sócio-ambientais poderão sair quase ilesos se conseguirem realmente demonstrar a razão de sua existência. A avaliação de impacto sócio-ambiental funciona, nesse momento, como uma verdadeira bússola que orienta os gestores sociais e financiadores sobre como manter a embarcação de pé. Com indicadores precisos e análises das intervenções, é possível demonstrar o real valor de manter esses programas como geradores de grande riqueza econômica, principalmente para o período de retomada (que com certeza virá).

            Os investimentos socioambientais ainda são avaliados superficialmente. Os valores atribuídos a essas intervenções demonstram, muitas vezes, apenas a cobertura do investimento, como o número de pessoas beneficiadas e áreas protegidas. No entanto, não se utilizam de indicadores científicos para verificar o real impacto gerado. Como componente, a avaliação integra-se como parte essencial de um programa. A American Evaluation Association estabeleceu que toda avaliação deve ser "mainstreamed", ou seja, funcionar como bússola de programas socioambientais.

No entanto, como muitos profissionais na área social podem ser considerados "marinheiros de primeira viagem", ou pela vontade de continuar navegando pelo mundo das transformações sociais, muitas instituições com recursos reduzidos colocam este componente em segundo plano. Não é nem preciso dizer para onde esses grandes ou pequenos "barcos" acabam desembocando. Com efeito, muitos naufragam bem antes de chegar ao seu destino final. Não sabem ao menos aonde querem chegar. Acreditam que chegando até o ponto final da viagem, irão receber um certificado de reconhecimento pelo árduo trabalho realizado durante a viagem.

Continuando com a associação entre avaliação e uma bússola, é importante ressaltar que a avaliação nunca será elogiosa ou crítica em relação aos programas. A função da avaliação é indicar direções e facilitar a utilização de rotas alternativas. Ela não leva a prêmios, nem pode ser reconhecida como uma auditoria de um programa. Pelo contrário, ela é uma das partes estruturais básicas da implementação de um programa. Sem esse componente, qualquer iniciativa estará fadada à famosa expressão "que seja o que Deus quiser". Realmente, somente a luz divina poderá tirar o pobre gestor dessa imensa escuridão.

Há várias ferramentas de avaliação disponíveis para os gestores sociais, como avaliação de processo, impacto, impacto social etc. No entanto, a falta desse componente, em qualquer iniciativa, desqualifica automaticamente um programa ou plano de marketing social. Ou seja, não existe programa socioambiental eficaz sem o estabelecimento de um componente de avaliação.


A própria definição do conceito de marketing social como "gestão estratégica para a transformação social" faz com que esse componente se coloque como prioridade absoluta. Talvez, essa seja uma boa forma de definir se um programa é concebido por parâmetros estratégicos ou não. Apenas deveríamos perguntar: "o programa tem um componente de avaliação?". Caso a resposta seja positiva, há uma chance do programa implementar corretamente os conceitos de marketing social; no entanto, caso a resposta seja negativa.... vou dar um conselho: saiam imediatamente dessa "canoa furada"!

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Beberrões e Cientistas

            Sempre me preocupou aquela velha frase do grande filósofo Sócrates que geralmente ouvimos em conversas de botequim e de cientistas renomados: “Só sei que nada sei!”. Embora soe bonito, sempre fiquei com um sentimento de contrariedade perante a esta possível constatação. No entanto, descobri, com o passar dos anos, que há uma diferença importante no significado desta frase dita pelos beberrões em final de festa ou pelos grandes cientistas em seus momentos de maior lucidez.

            No caso dos beberrões, o significado realmente está relacionado a este sentimento de impotência na busca pelo saber. Ou seja, preguiça em estudar mesmo. É muito mais simples dizer que a natureza e o mundo são realmente complexos e não há como saber realmente sobre nada. Sendo assim, a rotina passiva pela busca do conhecimento se torna seu porto seguro.

            No caso dos cientistas, o significado não se relaciona ao sentimento de impotência, mas de curiosidade constante na busca pelo saber e no rigor que se exige das conclusões geradas a partir das diversas hipóteses sobre associações e causalidades. Todo o trabalho científico parte de uma hipótese nula; ou seja, nada está associado a nada e cabe à ciência provar o contrário ou constatar esta realidade. A ciência realmente não sabe nada; porém, isto ocorre até que o conhecimento possa ser gerado e aplicado para a melhoria da vida das pessoas. Não pode haver “chutes”, mas métodos rígidos de comprovação.

            Sendo assim, a ciência não possui o conhecimento prévio das associações entre diversas variáveis. Porém, cada vez mais, domina ferramentas para obter tal conhecimento. São estas ferramentas estatísticas e analíticas que contribuem para atingir este nível de conhecimento. Enquanto os beberrões se esbaldam em mais um gole de álcool a cada sentimento de impotência gerado pela constatação da falta do saber, os cientistas se esbaldam na utilização de mais uma ferramenta para testar suas brilhantes hipóteses sobre nosso mundo. Os beberrões podem até gerar algum benefício econômico na mesa do bar com a geração de alguns empregos imediatos. Porém, são os cientistas que promovem as grandes revoluções comportamentais e culturais de nossas sociedades.


            A opção de dar significado prático à famosa frase cabe a cada um de nós. No mercado social, podemos encontrar diversos gestores que poderiam se identificar facilmente com os beberrões ou cientistas. E você? Tá mais para beberrão ou cientista?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Marketing Social como Solução para os Desafios Socioeconômicos do Brasil no Século XXI

            Nunca houve e talvez nunca existirá um início de século tão desafiador para o Brasil como o Século XXI. Isso acontece basicamente por três transições socioambientais distintas que estão atingindo o seu apogeu nestas primeiras décadas do século: a) transição epidemiológica; b) transição demográfica; e c) transição climática.

            Há trinta anos, as empresas, governos e sociedades locais podiam se dar ao luxo de fazer novos empreendimentos sem pensar nas conseqüências para o meio-ambiente, a falta de mão-de-obra ou os custos da saúde pública. Durante essa época, o marketing comercial mostrava toda a sua força, fazendo com que os habitantes de diversos países do mundo modificassem seus comportamentos sociais, aumentando o número de fumantes, consumo de álcool, direção agressiva, alimentação de alto valor calórico, etc. Nada era mais importante do que o acesso a esse estilo de vida de consumo tão vangloriado por Hollywood e seus artistas famosos.

            No entanto, tudo isso veio com um custo significativo, o aumento exponencial da produção de bens de consumo trouxe conseqüências avassaladoras para o meio ambiente, fazendo com que as “commodities” e matérias primas se tornem cada vez mais caras em virtude do aumento da temperatura global. Além disso, o sonho de consumo fez com que as famílias se tornassem cada vez menores e em muitos países as sociedades já estão diminuindo de tamanho. Esse será o caso do Brasil também a partir de 2030, segundo o IBGE. E, finalmente, esses novos estilos de vida de consumo acabaram trazendo um aumento significativo da incidência das doenças crônicas - muito mais caras do que as doenças infecciosas e de tratamento longo. No Brasil, as doenças crônicas já ultrapassaram significativamente as doenças infecto-parasitárias como  as principais causas de morte e morbidade da população.

            Sendo assim, o Brasil experimenta nestas primeiras décadas o pico dessas transições e caso não esteja preparado para lidar com elas, estaremos comprometendo a sustentabilidade econômica de toda a nossa população nas próximas décadas.

            Como no caso de vacinas em que a solução se encontra muitas vezes no entendimento do problema, fazendo com que anticorpos sejam injetados nos seres humanos a partir do próprio vírus, o marketing pode ser usado como a ferramenta de gestão estratégica para a transformação social. Aliás, essa é a origem do marketing social. Quando Manoff, Kotler, Roberto e outros autores cunharam o conceito de marketing social, o principal objetivo era contribuir para a mudança de comportamentos anti-sociais e anti-ambientais para a melhoria de qualidade de vida da população.

            As ferramentas de marketing social, fundamentadas no claro entendimento dessas transições sócio-econômicas, reinterpretam os conceitos clássicos de marketing para que seja aplicado na área social. Por exemplo, no caso do famoso marketing mix (produto, preço, praça e promoção), para o marketing social o produto é fundamentalmente o conhecimento, atitude e/ou prática que se quer promover junto à população. Como, por exemplo, o uso do preservativo ou direção defensiva no trânsito.

            Já no caso do preço, há a necessidade de um entendimento amplo das principais barreiras financeiras, psicológicas, culturais, políticas e ambientais para que esse comportamento seja adotado. Por exemplo, muitos fumantes sabem as conseqüências avassaladoras para sua saúde desse hábito, mas consideram que o preço de renúncia ao prazer proporcionado pelo fumo é alto demais para a adoção de outro comportamento. Isso também acontece no caso da alimentação, dos exercícios físicos, do trânsito, etc.

            A praça é estabelecida como a estratégia de aproximação desses produtos sociais aos públicos adotantes. Não adiante nada falar sobre o uso do preservativo, se não estiverem presentes nas escolas, postos de saúde, entre outros locais não tradicionais, como as farmácias e supermercados. Aliás, diversos governos estaduais e municipais devem ser parabenizados pela iniciativa de trazer o debate sobre o uso dos preservativos para as escolas secundárias.

            Finalmente, a promoção é toda a estratégia de aproximação dos públicos adotantes ao produto social. Fazer com que comportamentos saudáveis se tornem algo prazeroso e de “status” são algumas abordagens de comunicação fundamentais para a correta promoção do produto social. Ou seja, apenas a promoção dos males causados pelos comportamentos anti-sociais e ambientais é uma estratégia bastante restrita e com pouco impacto para o público-adotante em potencial.

            O Brasil é conhecido mundialmente por suas estratégias de marketing comercial e promoção de produtos. Agências com profissionais altamente criativos e dedicados conseguem fazer com que diversos públicos se interessem por qualquer tipo de produto. No entanto, deixamos para os burocratas de plantão a tarefa de tornar comportamentos sociais interessantes e objetos de desejo. Logicamente, a conseqüência é que esses comportamentos não são adotados a não ser nos casos de penalidades específicas, como as multas. Precisamos de profissionais de marketing social que tragam para esse mercado seus talentos e sua energia para que o país se prepare para as grandes transformações socioambientais desse início do século.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Marketing Social para o Gerenciamento de Conflitos

Muitos acreditam que o gerenciamento de conflitos é uma matéria que não se deve aprender na escola, mas sim no cotidiano ou no ceio familiar. No entanto, como se preparar para possíveis perdas durante a vida como resultado de conflitos pessoais, profissionais e financeiros? Será que o mundo ou a família está preparado(a) para ensinar como um indivíduo deve proceder para a resolução de conflitos? Os indicadores sociais que se relacionam de alguma forma com conflitos – por exemplo, violência entre adolescentes ou violência doméstica, parecem indicar que a maioria dos indivíduos não estão preparados para lidar com seus conflitos.

Aprendi em minhas aulas sobre diplomacia durante a faculdade que as negociações entre duas nações vão até onde não se impõe o uso de força para a resolução de conflitos. Quando isso acontece, os negociadores ou a diplomacia simplesmente saem de cena, deixando que o confronto de forças entre as partes diga quem tem o “poder” de imposição. Isso acontece também na vida privada e social, fazendo com que a aniquilação do adversário se torne o objetivo central de uma “missão”. O que pareciam ser colegas ou afins em um determinado momento, tornam-se rivais e inimigos mortais (amigo contra amigo, irmão contra irmão, marido contra esposa, colega de trabalho contra colega de trabalho, organização social contra organização social).

Os principais motivos para a incapacidade de gerenciar conflitos estão relacionados à falta de entendimento sobre o que seja gerenciamento de conflitos, de canais de comunicação claros para este fim e de capacitação sobre como proceder no caso do surgimento de um conflito específico. Em relação ao primeiro motivo, geralmente muita ênfase se dá sobre um determinado problema social e não a sua causa. Por exemplo, é muito mais fácil se mensurar e falar sobre a violência familiar do que ressaltar suas causas (como a falta de habilidade para a resolução de conflitos domésticos). Estudos sobre conflitos são necessários para um entendimento mais amplo de suas raízes e as principais situações ou comportamentos que podem gerar atritos entre indivíduos e organizações.

Talvez, esses estudos poderiam servir como fonte importante para a geração de canais de comunicação para a resolução de conflitos. Os canais de comunicação, atualmente, servem mais como canais de informação; ou seja, não oferecem a possibilidade de interação entre os indivíduos. Isto acontece também no ceio familiar. Será que pais sabem qual seria o canal de comunicação eficiente de diálogo com seus filhos? Será que apenas a informação sobre “como foi seu dia hoje” é suficiente para o estabelecimento de um canal de comunicação eficiente que possa trabalhar os conflitos familiares? Quais são esses canais? Como devem ser trabalhados? Ainda há muito o que se avançar.

Finalmente, fraternidade, amizade, amor, fidelidade e compreensão são palavras importantes para a convivência humana, mas qual o entendimento que se tem sobre esses conceitos? Será que apenas são lembrados como dogmas religiosos ou no imaginário do que seria o ideal de felicidade, mas que nada representam quando surge um determinado conflito na vida real? O trabalho de sistematização de formas e técnicas para o gerenciamento de conflitos é fundamental para o fortalecimento de laços interpessoais e institucionais de toda a sociedade.

Para todos esses pontos levantados, as ferramentas de marketing social (pesquisa, planejamento e definição de marketing mix) podem auxiliar para que o trabalho de gerenciamento de conflitos não fique apenas em um plano abstrato de intervenção. Além disso, com a utilização dessas ferramentas, tecnologias sociais para a resolução de conflitos podem ser identificadas, tirando do anonimato profissionais e organizações sociais que já entenderam há muito tempo atrás que este é um tema fundamental para a sociedade brasileira. De fato, algumas empresas, como a Caixa Seguradora, começam a compreender a importância e concretude desta causa e estão buscando formas de trabalhar e investir nesta importante área social.    

Quando a força bruta nos atinge (verbal, física ou moral) nos vem sempre o sentimento de perda sobre uma relação, mas não se consegue identificar ou lembrar o que poderia ter sido ou trabalhado de forma diferente. A pergunta mais frenquente é: Como se chegou ou deixou chegar a este ponto? O gerenciamento de conflitos necessita de um trabalho multi-setorial e integrado, e a participação de empresas abre caminho para que os membros da sociedade se entendam melhor e que profissionais possam ser mais produtivos.