quarta-feira, 30 de março de 2016

Pensamento do dia:

     Não temos como apagar algumas pessoas ou acontecimentos do nosso caderninho, mas temos como virar a página.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Investimento Social Privado em Todas as Suas Dimensões

            Tentando me colocar na posição de alguém que nunca teve uma experiência concreta na área social, fico pensando se novas abordagens  promovidas por diversas organizações sobre o envolvimento do setor empresarial para o fortalecimento de nossas políticas públicas fazem algum sentido. Por exemplo, essa nova abordagem intitulada “investimento social privado”, que nem podemos chamar de conceito, pois lhe falta base literária, pode conduzir a um entendimento equivocado sobre a área social e, o que é pior, à aplicação de recursos de forma ineficaz.  Como veremos adiante, o uso aleatório de recursos de empresas para projetos pontuais na área social pode resultar em uma desagregação entre o compromisso com a área social e a verdadeira missão institucional de uma empresa.

            Na verdade, os desafios corporativos são mais amplos do que o papel externo ou comunitário de uma empresa. Embora esse papel represente um importante desafio corporativo, não é nem o único, nem tão pouco pode ser tratado de forma isolada. Segundo diversos especialistas internacionais sobre o tema, há quatro desafios fundamentais de responsabilidade social corporativa: a. desafios da prática individual em uma empresa; b. desafios de conduta corporativa; c. desafios do seu posicionamento externo; e d. desafios éticos no nível macropolítico.

            Para o primeiro grupo de desafios, incluem-se a administração de práticas de conflito de interesse, o equilíbrio entre vida no trabalho e pessoal, normas de resolução de conflitos, integração da ética e cultura pessoal e do trabalho, entre outros. Como uma empresa atua em relação a esses desafios é fundamental para o fortalecimento de suas práticas no local de trabalho, mas também para influenciar convivências harmoniosas de seus funcionários. Por exemplo, uma empresa que atua de forma totalmente rígida e não se abre para o estímulo de convivência harmoniosa com seus recursos humanos, promove também conflitos individuais que acabam por refletir em casa e na família (ou seja, na sociedade).

            Em relação aos desafios de conduta corporativa, algumas organizações, como o Instituto ETHOS, vêm atuando para avaliar esta conduta, incluindo análises de cultura organizacional. Esses desafios, geralmente, relacionam-se com a utilização e perfil dos recursos humanos de uma empresa, suas práticas comerciais (corruptas ou não), a degradação do meio-ambiente, entre outros. De qualquer forma, mais uma vez, esse grupo de desafios também reflete em toda a sociedade. Ou seja, investimentos para a criação de uma cultura corporativa socialmente responsável, mesmo com ênfase endógena ou diretamente relacionada a suas práticas comerciais e de produção, estão relacionados ao bem comum.

            Talvez, o grupo de desafios que tem chamado mais atenção nos últimos anos relaciona-se ao papel externo da empresa junto a comunidades. Para isso, diversos institutos e fundações de empresas foram criados. Toda a abordagem de investimento social privado fomenta a criação de estruturas organizacionais mais independentes para uma atuação externa mais “efetiva”. No entanto, sabe-se que a responsabilidade empresarial vai muito além de investimentos em comunidades.

Há outros desafios relacionados a práticas de marketing (que influenciam diretamente comportamentos de públicos adotantes), integração tecnológica, orientação da missão, visão e valores corporativos, entre outros. Do que adianta, por exemplo, investir recursos para o melhoramento dos níveis de escolaridade em uma comunidade específica, quando se investem milhões no estímulo de práticas anti-sociais, como abuso de bebida alcóolica, sexo sem conhecimento ou uso de tabaco. Neste sentido, o melhor investimento social privado, seria anular essas práticas de marketing comercial, não sendo necessário qualquer investimento em projetos comunitários.

            Finalmente, um outro grupo de desafios relaciona-se ao posicionamento ético no nível macro. Não há como negar que qualquer prática privada está diretamente relacionada a alguma lei, norma ou política pública. A total independência da prática privada é pura ilusão. A compreensão desse eixo macro da importância do bem público é ainda escassa na maioria das empresas. Como a empresa consegue compreender a importância do fortalecimento de políticas públicas, contribuindo em sua prática comercial para a não violação de conquistas históricas de toda a população.


            De uma forma geral, tudo isto representa também um grande desafio para a abordagem de investimento social privado. Estariam as organizações que promovem esta abordagem prontas para estimular uma integração com uma estrutura ampla de desafios sociais corporativos? Ou será que teremos que continuar convivendo com a visão de que uma estrutura organizacional independente de investimentos sociais privados é suficiente?   

terça-feira, 22 de março de 2016

“De cima para baixo” não funciona na administração pública

                Além da clássica diferença entre administração pública e privada, em que na primeira o gestor apenas pode fazer aquilo que está previsto em lei e que na segunda o gestor pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, é importante ressaltar que a forma de aplicação das ferramentas de mudança organizacional também é diferente. Na administração pública, as mudanças realizadas de cima para baixo são desastrosas. A elaboração de decretos, portarias e leis sem a participação de duas partes interessadas fundamentais, servidores e sociedade, está fadada ao fracasso.

                Muito se fala que administrar o setor público é o mesmo que administrar uma casa ou uma empresa. Isto não é verdade! Muitos gestores públicos apenas dizem isto para simplificar o entendimento da opinião pública sobre cortes de gastos e aumento na arrecadação. Muitos dos gastos do governo estão atrelados a leis específicas e não há grandes manobras para mudança. Isto em função de leis previdenciárias, de assistência social, saúde, educação, etc. Seria como dizer para uma dona de casa, corte os gastos, mas, por lei, não pode mexer no orçamento de alimentação, plano de saúde e na mensalidade da escola de seus filhos.

                 Para que reformas funcionem no setor público, quanto maior a participação de servidores e sociedade melhor. Um exemplo disto é a reforma da previdência. Lógico que o sistema previdenciário brasileiro necessita de reformas urgentes, mas isto não será atingido com uma “canetada”. Um plano de consenso com a sociedade e servidores é a melhor alternativa para que esta mudança ocorra sem a necessidade de recorrer aos tradicionais mecanismos de clientelismo entre o executivo e o legislativo (aliás, a população já não aguenta mais isto). Ou seja, antes de anunciar propostas “de cima para baixo” em uma eventual mudança previdenciária, um ciclo de debates com a sociedade e servidores é essencial para amadurecer as sugestões de ajustes.


                Verdadeiros gestores públicos que sabem mediar o debate e buscam consenso para mudança no Estado em torno de propostas técnicas bem fundamentadas serão sempre os mais bem sucedidos. Esses gestores participam ativamente desses debates, trazendo ideias e fundamentando seus argumentos. Os gestores de gabinete, ao contrário, pensam que sabem mais e que não precisam gastar seu tempo com discussões desnecessárias. Entretanto, ao final de sua gestão, acabam reféns de suas próprias armadilhas sem deixar qualquer legado.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Novo vídeo da série sobre Mercado Social da JohnSnow. Confira:

https://www.youtube.com/watch?v=emkijtiM5C0

Qual a importância de um selo de responsabilidade social corporativa

O valor de um selo de responsabilidade social torna-se sem validade ou importância caso o conceito ou causa a qual ele se refere não esteja claro ou internalizado na mente do consumidor ou da empresa. Ou seja, o selo traz apenas um valor simbólico para o compromisso de uma empresa com este conceito ou causa social. Sendo assim, mais importante do que participar dos processos de comunicação e conscientização sobre como uma "marca" está associada a uma causa social, empresas devem estar dispostas a promover a causa social com desprendimento de intenções e busca de melhoria de qualidade de vida da sociedade.

    Logicamente, não consigo enxergar nem "perigo", nem muitos aspectos positivos na criação de selos para ações socialmente responsáveis. Seria até ingenuidade pensar desta maneira. Além disso, seria atribuir um peso a um valor simbólico que ele verdadeiramente não possui. O envolvimento de empresas com causa sociais não traz benefícios financeiros imediatos para a empresa. Todos os estudos que tentaram demostrar esta relação causal entre o envolvimento da empresa em causas sociais e ganhos financeiros (em função de melhor imagem ou outro aspecto de marketing) constatam que isto simplesmente não acontece. Estudos que demonstram o contrário, geralmente, apresentam sérios problemas metodológicos ou são claramente tendenciosos. O conceito de investimento social privado, por exemplo, deve ser sempre colocado dentro de uma perspectiva de sustentabilidade organizacional e social de longo prazo e não de lucro imediato em função deste envolvimento. Devo reconhecer que um selo não contribui muito na discussão mais complexa e pertinente de sustentabilidade, porém, também não interfere.   

    O selo exerce uma função muito específica. Por exemplo, os correios de diversos países criam novos selos a cada ano para envio de correspondências. No entanto, a função do selo é apenas indicar que a taxa de transporte de uma encomenda ou carta foi devidamente paga. Talvez, uma analogia com o caso de selos para ações socialmente responsáveis poderia seguir o mesmo raciocínio. Novos selos serão continuamente criados para estampar melhor o envolvimento de algumas empresas com causas sociais, porém, a função desses selos será sempre indicar que a empresa está também pagando uma taxa para dizer que se envolve na melhoria da qualidade de vida da população na hora de empacotar seus produtos. No caso dos correios, não sei distinguir bem a diferença entre um selo que estampa a imagem de Tiradentes ou da bandeira nacional. Tenho que confesar que fico mais interessado em abrir logo a minha correspondência ou produto e ver se realmente o conteúdo contribui para melhorar o meu trabalho e bem estar. Sendo assim, deixo a análise do valor dos selos para os colecionadores.

terça-feira, 15 de março de 2016

Seis Sigmas: Até onde vai o papel da comunicação massiva

            Os meios de comunicação massivos despertaram países para uma linguagem em comum e promovem tendências de forma generalizada. Talvez, este tenha sido o principal interesse de governos para utilizar os meios massivos de comunicação com o objetivo de informar a população sobre suas estratégias sociais. Campanhas de prevenção de acidentes de trânsito, transmissão do HIV/AIDS, trabalho infantil, entre outros, disponibilizam para toda a população a realidade do problema e formas de resolvê-los a partir de mudanças de comportamento. No entanto, o que acontece quando a população já se encontra bem consciente destes problemas e formas de preveni-los, mas a realidade social continua a mesma? Ou seja, elevados números de acidente de trânsito, elevadas taxas de transmissão do HIV/AIDS, etc.

            De acordo com um novo entendimento sobre a realidade social, o problema não mora na “normalidade” do comportamento de toda população, mas na anormalidade de alguns segmentos específicos. Um conceito inovador vem sendo trabalhado nos últimos anos sobre a necessidade de “normalizar” a curva de comportamentos sociais. Esse princípio vem da constatação de que sempre haverá a probabilidade estatística de 5% dos comportamentos estarem fora do intervalo de confiança para toda a população. Em termos estatísticos, isso quer dizer que há 95% ou 4 sigma de confiança de comportamentos preventivos estarem sendo seguidos pela população. Sendo assim, o “estrago” que esta situação pode causar é muitas vezes devastadora. Motoristas, por exemplo, fora do intervalo de confiança de comportamentos, que decidem dirigir embriagados podem causar sérios danos a ele/ela mesmo(a) como também a um número significativo de pessoas que se encontram no intervalo de confiança de comportamentos. É importante ressaltar ainda que se a probabilidade estatística aumentar para 10% ou 15% com redução da cobertura de sigmas, sistemas importantes de saúde, previdência e educação podem simplesmente entrar em convulsão.

            Seis sigmas (99.9997%) é o intervalo de confiança que indica que praticamente 100% dos comportamentos estão dentro de um intervalo de segurança estatístico. Sendo assim, é responsabilidade dos governos, sociedade civil e empresas tentar atingir este grande desafio. No entanto, campanhas massivas atingem exatamente quem já se encontra próximo ao intervalo de confiança da população, mas não quem está fora dele. Neste sentido, a aplicação de estratégias de segmentação é a mais consistente e identifica com clareza qual a mudança de comportamento poderá trazer benefícios sociais mais significativos.


            É importante ressaltar, no entanto, que a era dos “seis sigmas” na área social está apenas começando. Serão necessários recursos para a implementação de novos sistemas de coleta de dados e análises estatísticas. Além disso, deverá ser priorizado o uso eficiente de técnicas de gestão social, indo muito além da elaboração de uma campanha social. Fazendo uma pequena analogia, campanhas massivas de comunicação representam apenas uma limpeza superficial em todas as “laranjas” (comportamentos) de uma grande caixa, porém não contribuem para a identificação e retirada das “laranjas podres” (comportamentos anti-sociais).      

segunda-feira, 7 de março de 2016

Mar da Economia Mundial em Fúria: As Bússulas mais Necessárias do que Nunca

            Parece até filme! Quanto mais se luta contra a tormenta, mais as chuvas e trovoadas econômicas se intensificam. Ninguém sabe se os governos em todo o mundo terão condições de diminuir os grandes solavancos econômicos. Tudo isso tem repercussão significativa também para os investimentos socioambientais. Isso mesmo levando em consideração que a sustentabilidade socioambiental do planeta é a única forma de iniciarmos um novo ciclo de calmaria econômica.

            No entanto, não podemos fugir mais da tormenta! Temos que enfrentá-la. Sendo assim, alguns programas sócio-ambientais poderão sair quase ilesos se conseguirem realmente demonstrar a razão de sua existência. A avaliação de impacto sócio-ambiental funciona, nesse momento, como uma verdadeira bússola que orienta os gestores sociais e financiadores sobre como manter a embarcação de pé. Com indicadores precisos e análises das intervenções, é possível demonstrar o real valor de manter esses programas como geradores de grande riqueza econômica, principalmente para o período de retomada (que com certeza virá).

            Os investimentos socioambientais ainda são avaliados superficialmente. Os valores atribuídos a essas intervenções demonstram, muitas vezes, apenas a cobertura do investimento, como o número de pessoas beneficiadas e áreas protegidas. No entanto, não se utilizam de indicadores científicos para verificar o real impacto gerado. Como componente, a avaliação integra-se como parte essencial de um programa. A American Evaluation Association estabeleceu que toda avaliação deve ser "mainstreamed", ou seja, funcionar como bússola de programas socioambientais.

No entanto, como muitos profissionais na área social podem ser considerados "marinheiros de primeira viagem", ou pela vontade de continuar navegando pelo mundo das transformações sociais, muitas instituições com recursos reduzidos colocam este componente em segundo plano. Não é nem preciso dizer para onde esses grandes ou pequenos "barcos" acabam desembocando. Com efeito, muitos naufragam bem antes de chegar ao seu destino final. Não sabem ao menos aonde querem chegar. Acreditam que chegando até o ponto final da viagem, irão receber um certificado de reconhecimento pelo árduo trabalho realizado durante a viagem.

Continuando com a associação entre avaliação e uma bússola, é importante ressaltar que a avaliação nunca será elogiosa ou crítica em relação aos programas. A função da avaliação é indicar direções e facilitar a utilização de rotas alternativas. Ela não leva a prêmios, nem pode ser reconhecida como uma auditoria de um programa. Pelo contrário, ela é uma das partes estruturais básicas da implementação de um programa. Sem esse componente, qualquer iniciativa estará fadada à famosa expressão "que seja o que Deus quiser". Realmente, somente a luz divina poderá tirar o pobre gestor dessa imensa escuridão.

Há várias ferramentas de avaliação disponíveis para os gestores sociais, como avaliação de processo, impacto, impacto social etc. No entanto, a falta desse componente, em qualquer iniciativa, desqualifica automaticamente um programa ou plano de marketing social. Ou seja, não existe programa socioambiental eficaz sem o estabelecimento de um componente de avaliação.


A própria definição do conceito de marketing social como "gestão estratégica para a transformação social" faz com que esse componente se coloque como prioridade absoluta. Talvez, essa seja uma boa forma de definir se um programa é concebido por parâmetros estratégicos ou não. Apenas deveríamos perguntar: "o programa tem um componente de avaliação?". Caso a resposta seja positiva, há uma chance do programa implementar corretamente os conceitos de marketing social; no entanto, caso a resposta seja negativa.... vou dar um conselho: saiam imediatamente dessa "canoa furada"!