Foi em uma sala de aula, durante meu mestrado nos
Estados Unidos, que fui surpreendido por uma pergunta de uma colega ao
professor de políticas sociais na América Latina: "Professor como o Brasil
e a Itália conseguem crescer economicamente?" A pergunta, cheia de
significados, trouxe um silêncio incômodo a sala de aula e uma hesitação
natural ao professor. Não sei exatamente se minha colega se referia aos sérios
problemas políticos que os dois países enfrentam, com tanta corrupção,
desorganização governamental e os tradicionais jogos de interesse. Ou se a
pergunta era mais profunda, se referindo a questões culturais, sociais e
educacionais. De qualquer modo, em questões sociais e culturais, a Itália é bem
mais avançada que o Brasil, levando em consideração os níveis educacionais, a
riqueza de seu capital social, principalmente nas pequenas cidades e vilarejos
e uma expectativa de vida relativamente alta se comparada aos países
desenvolvidos. No caso do Brasil, essas considerações simplesmente não se
aplicam. Temos um dos piores níveis educacionais do planeta, a cultura do
jeitinho e do individualismo consumista nunca esteve tão latente e nossa
expectativa de vida é ainda muito baixa se compararmos a países desenvolvidos,
principalmente entre os homens.
A pergunta é intrigante; no entanto, as
determinantes são bem distintas. No caso italiano, as questões políticas são
extremamente problemáticas, mas no caso brasileiro, não há como negar nossa
pobreza social. A pobreza social se reflete, principalmente, nos comportamentos
e atitudes do dia a dia. Diversas questões sociais nos acometem dentro e fora
de casa. O desrespeito as normas de trânsito, a falta de educação em uma fila
qualquer, um consumo desenfreado que beira a obsessão, são todos reflexos de
nosso empobrecimento social.
Porém, o Brasil continua crescendo, como isso é
possível? Creio que por um motivo simples, a riqueza social não está associada
a riqueza econômica. Isso é principalmente verdade se levarmos em consideração
que a educação é pouco valorizada no Brasil como forma de ascensão econômica.
Muitos comportamentos anti-sociais são entendidos até como necessários para que
essa ascensão ocorra, como o consumo pelo consumo, a corrupção, o "forçar
vendas" e oferecer o mínimo para tentar ganhar o máximo, seja em forma de
trabalho ou produto. Comportamentos sociais podem ser considerados ainda
"perda de tempo" para um grande número de pessoas. Por que esperar
uma vaga em estacionamento público, se posso parar em cima da calçada? Por que
interagir e conversar mais com os filhos, se posso usar meu tempo de forma mais
prazerosa bebendo com os amigos?
É interessante observar que o Brasil vem criando
mecanismos para a geração de riqueza econômica, mas ainda temos dificuldades
para estabelecer mecanismos em nossas rotinas para a geração de riqueza social.
Ou seja, na verdade, vivemos uma realidade onde a riqueza social é vista até
como um empecilho para a geração de mais riqueza econômica. Tempo "gasto"
em leitura, arte, lazer e convivência é prejuízo certo na busca pelo
"ganho" em vendas, produção, competição e renda. No entanto, o preço
de nosso empobrecimento social é alto, pois mesmo não participando de grandes
conflitos internacionais, o Brasil registra as maiores taxas de mortalidade
entre jovens do mundo. Segundo o Ibge, já temos mais de sete milhões de
mulheres a mais do que homens na faixa etária entre 30 e 50 anos.
Além disso, o governo e o setor empresarial ainda
se concentram em formas da geração de riquezas econômicas. Vemos isso nos
noticiários todos os dias, com a política monetária, cambial, de comércio
exterior e trabalho e emprego. No entanto, onde estão as políticas sociais?
Parece até que após a aprovação de leis orgânicas e estatutos sociais não há
mais motivos para se falar de políticas sociais, pois todos os direitos já
estão garantidos pela lei!! Será que isso é verdade? Precisamos de sistemas de
acompanhamento de nossa inflação social, das taxas de mortalidade e de nossa
crescente ansiedade e estresse.
Enfim, a melhor forma de responder a esse
inteligente questionamento sobre como o Brasil vem se enriquecendo
economicamente é demonstrar como tudo isso tem sido alcançado a um custo social
e ambiental elevado. Ou seja, não é a riqueza social, cultural e educacional
que tem sustentado esse crescimento. Isso porque o modelo econômico de
crescimento está focado no consumo de bens materiais. Sendo assim, meu
questionamento seria um pouco diferente: como o Brasil planeja sustentar esse
modelo de crescimento econômico? Isso quando não tivermos mais uma estrutura
demográfica de força jovem, nossos insumos ambientais e a confiança em nossas
relações interpessoais.
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